
Por Luiz Henrique Vieira
Editoria Márcia Charnizon
A partir de meados do século XIX, partindo da França para os quatro continentes, um novo hábito passa a compor o cotidiano de pessoas das classes sociais mais elevadas: ao irem de visita à casa de amigos e/ou de familiares, era comum que essas pessoas levassem consigo os seus retratos, que eram oferecidos aos donos da casa. Com as mesmas dimensões dos cartões que, ainda hoje, são usados social ou profissionamente, com a finalidade de se apresentar ao interlocutor, os pequenos retratos “oitocentistas” foram batizados por seu criador, o francês Disdéri, como cartes de visite.
Se nos primeiros anos após o seu advento, os cartões eram dispostos em salvas de prata, bandejas ou similares, devidamente colocados sobre aparadores, em lugar acessível e de destaque na sala de visita ou no hall de entrada das casas elegantes, logo surgiram os álbuns para mantê-los agrupados e protegidos. Dispostos em bandejas ou compondo os suntuosos álbuns, esses cartões pretendiam tanto afirmar a posição social dos retratados quanto definir o círculo social e de influências daqueles que ostentavam as coleções de retratos em suas salas.
Podemos dizer que os estúdios constituíram o principal palco dos retratos oitocentistas, não devendo, no entanto, deixar de mencionar que alguns fotógrafos prescindiam do estúdio para produzirem seus retratos. David Octavius Hill, por exemplo, realizou vários autorretratos ambientados em cemitérios, e Julia Margaret Cameron preferia trabalhar no quintal de sua casa. Entretanto, é fundamental que ressaltemos a diferença de conteúdo entre o trabalho realizado por esses dois artistas e os retratos tipológicos produzidos na maioria dos estúdios. Talvez não seja errôneo afirmar que tanto o trabalho de Hill quanto o de Cameron estavam comprometidos com questões existencialistas, enquanto os cartes de visite (pelo menos, a princípio) cumpriam uma função de ordem prática – a de projetar socialmente o retratado.
Hoje, passados mais de 160 anos após a invenção do retrato carte de visite, as pessoas tendem a dispensar o trabalho do fotógrafo profissional e o uso do estúdio fotográfico como cenário para os seus retratos. Sim, pois “todos” nos tornamos fotógrafos especializados em captar nossas próprias imagens – vivemos com a lente apontada para nossos próprios corpos (especialmente os rostos, sempre prontos a esboçar um sorriso do tipo X ou Y). E o antigo estúdio foi substituído por qualquer lugar onde o indivíduo deseja estar.
Se um álbum de cartes de visite oitocentista dizia muito da abrangência do círculo social do proprietário do álbum, não podemos nos esquecer de que, possivelmente, entre os cartões dos “verdadeiros” amigos havia aqueles que representavam celebridades da época, como políticos, artistas, aristocratas, etc. Tais retratos de nomes proemientes eram dispostos nas vitrines dos estúdios fotográficos e estavam à venda para figurarem, nos álbuns, ao lado de familiares e amigos do colecionador das imagens. Podemos traçar um paralelo entre a aquisição e inclusão dessas imagens nos antigos álbuns e o que testemunhamos atualmente nas redes sociais, onde o colossal número de “amigos” acabam produzindo no sujeito uma falsa sensação de influência social e de efetiva interação interpessoal. Talvez, a mais popular das redes sociais seja o Facebook – o excepcional álbum de retratos do homem contemporâneo.