Por Ines Rabelo
Editoria Solanda Steckelberg
Trabalhar com gestão de espaços culturais foi mais uma consequência da minha trajetória do que uma escolha. Minha formação em artes plásticas começou por volta dos 13 anos, no curso livre da escola Guignard e continuou na UFMG, onde me graduei em artes plásticas, mais especificamente em desenho. A fotografia, também iniciada na mesma época, possibilitou-me o contato intenso com a área da cultura – desde futebol, cinema, vídeo, fotojornalismo, música, dança, teatro, gastronomia. Passando por pesquisas e incursões pelo Brasil afora, envolveu a edição de revistas e jornais de história e gastronomia, ocasião em que me atrevi a escrever algumas matérias sobre os temas. A fotografia também me abriu caminhos para a pesquisa e desenvolvimento de projetos nas comunidades do Cafezal e Taquaril, na Amazônia e na Serra Gaúcha. Nesta última, mais precisamente sobre a colonização italiana e sua fixação no Brasil por meio da produção do vinho.
Um convite para participar e colaborar com a formação do espaço cultural CentroeQuatro, foi o momento de assumir o lado gestora. Um desafio novo para mim, diferente dos projetos com os quais estava familiarizada. Não mais uma comunidade na qual eu tinha a oportunidade de conviver e trocar experiências por um determinado período, e sim um edifício, tombado no âmbito estadual, com 3.800 metros quadrados de área, cravado no hipercentro de Belo Horizonte. Não mais um tempo de duração definido e sim um tempo contínuo e de portas abertas para a diversidade, abrigando várias áreas de expressão artística e cultural. Uma proposta sem similares na cidade até então, um espaço plural, multiuso, localizado em um território degradado por décadas de abandono, em diálogo com a heterogeneidade das grandes cidades. Esse cenário exigiu atenção e flexibilidade para entender novos processos e adaptar o planejamento ao dinamismo demandado pelo desafio , cuja natureza abrangia muito mais do que suas propostas e espaço físico, envolvendo, claro, lidar com as complexas regras de convivência no âmbito daquele território e da cultura urbana.
Foram alguns anos de aprendizado – seja por “erros” e “acertos” ou pela busca de atualizações e formação em áreas da administração, gestão cultural e história em instituições como a fundação Dom Cabral, FGV, UFMG entre outras. Uma experiência enriquecedora, com as alegrias, dificuldades, realizações e frustações pertinentes à gestão e, principalmente, o entendimento de que o campo da cultura exige uma dinâmica gerencial singular para lidar com a gama de formatos das diferentes leis que viabilizam suas atividades e com o desafio de garantir a sustentabilidade, tendo que lidar com um universo normativo engessado em contraposição a um campo orgânico e com poucos recursos.
Há quatro anos fui convidada a colaborar com a Academia Mineira de Letras. Um desafio, diferente. Não mais um espaço novo e sim uma instituição com 109 anos de existência e uma carga institucional sedimentada na cultura estadual e nacional. Não mais o hipercentro e sim uma zona nobre da cidade , não mais plural e sim com matérias muito específicas – a literatura, a memória e o acervo. O desafio: modernizar a gestão e ampliar o diálogo com a cidade. E, nesse caso, lidar com o espaço a partir da natureza sedimentada da instituição e, ao mesmo tempo, com as regras que a sustentem no ambiente cultural sem sucumbir a elas. Enfim lidar com a tradição e a modernidade, suas possibilidades de diálogo com o pensamento crítico sobre a arte e o presente, ativar um núcleo de memória do ponto de vista informativo e formativo na perspectiva de preservação e valorização.
Do ponto de vista da gestão de espaços culturais as experiências são bem diferentes. Uma parte do zero, da proposta de construção de um espaço norteado pela estrutura física – uma fábrica praticamente abandona, em diálogo direto com o território onde estava inserida. A segunda, uma organização instituída, com um valor simbólico sedimentado, detentora de patrimônios valiosos e importantes.
Independentemente das diferenças, para mim, as bases essenciais para aplicação de qualquer critério de gestão cultural começam pelo entendimento da cultura como um sistema de valores, hábitos, crenças, modos de conceber a vida e, conseqüentemente, os meios de expressão desse sistema e produtos que eventualmente dele resultem. Levam em conta, também, o empenho em planejar, promover e articular a organização e a viabilização de estruturas, recursos orçamentários, humanos, físicos e tecnológicos, de modo a atingir objetivos e metas da melhor forma possível, garantindo as condições necessárias tanto do ponto de vista do artista/auto/obra/acervo como do público. Isto significa trabalhar na perspectiva da cultura como eixo de desenvolvimento, ampliando as possibilidades de fomento e fruição, criando janelas para a produção de conhecimento. Implica, ainda, ter a consciência de que por tudo isso perpassa a necessidade de preservar a diversidade cultural, assegurar o reconhecimento, o respeito e a garantia dos direitos à própria cultura e ao acesso.
Esse dinamismo impõe ao gestor o desafio de fugir da lógica do “mais do mesmo”, sob o risco de se limitar à oferta e ou prestação de serviços culturais (aqui sem juízo de valor). Exige do gestor identificar novos campos transversais propondo constantemente diálogos e reposicionamentos em seu contexto tanto do ponto de vista organizacional e técnico quanto do conceitual.
Se, acaso, existissem palavras ou frases que “desenhassem” a gestão cultural, eu diria que elas estariam orbitando em torno das capacidades de observação e escuta, de apreender sempre, com planejamento, organização, criatividade, flexibilidade, observação. parcerias, colaboração e respeito.