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Reflexão crítica sobre a imagem

Editoria Laura Barbi

A editora de Artes Visuais do Letras Laura Barbi conversa com Bruno Vilela e Guilherme Cunha sobre o FIF – Festival Internacional de Fotografia.

Bruno Vilela é pesquisador, artista visual e educador. Trabalha na coordenação e desenvolvimento de projetos nas áreas de Artes Visuais, Educação, Direitos Humanos e Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens. É formado em Artes Visuais pela Escola Guignard – UEMG (2003) e em Administração pela PUC MG (2007). É idealizador e coordenador do FIF BH – Festival Interacional de Fotografia de Belo Horizonte (fif.art.br), da Área Criativa (exa.art.br/portfolio/area-criativa/), do EXA – Espaço Experimental de Arte (exa.art.br), do projeto Muros: Territórios compartilhados (muros.art.br), da Maratona Fotográfica Z/L – BH entre outros. Trabalhou na ONG Oficina de Imagens entre 2004 e 2013 com projetos culturais e sociais (oficinadeimagens.org).

Guilherme Cunha é artista visual, pesquisador e realizador cultural formado em artes plásticas pela Escola Guignard (UEMG) e Pitt State University (KS/EUA). Trabalha no campo de intercessão entre as artes e as ciências, investigando a construção de modelos de percepção e as plataformas de produção de conhecimento. Foi artista residente do Atelier #3 na Casa Tomada (SP/2010), do JA.CA (BH/ 2014) e do RedBull Station (SP/2014); foi contemplado no programa de exposições do Espaço Cultural Marcantônio Vilaça em 2015, no XIII Prêmio FUNARTE Marc Ferrez de Fotografia e foi co-idealizador do projeto que recebeu o XIV Prêmio FUNARTE Marc Ferrez de Fotografia. É co-idealizador e co-diretor do FIF BH – Festival Internacional de Fotografia de Belo Horizonte (2013/2015/2017/2020). Como idealizador do projeto Retratistas do Morro, recebeu em 2017 o prêmio de preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, do IPHAN, o 30º Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade. Foi contemplado no programa 2018/19 do Rumos Itaú Cultural.

 

Editoria Laura Barbi

Laura Barbi/ Letras: Como surgiu o FIF – Festival Internacional de Fotografia?

Guilherme Cunha: As conversas sobre o FIF começaram em 2010 e foram desenvolvidas pelo intercâmbio de ideias com diversas pessoas até culminar no lançamento do festival em 2013. A expectativa que tínhamos inicialmente e o que motivou a realização do projeto foi ampliar o campo de ação das artes em Belo Horizonte, trazendo para cidade uma plataforma que gerasse reflexões, discussões e um fluxo de pensamentos críticos vindos de outros lugares do mundo. Percebemos que apesar de BH ser historicamente uma espécie de expoente das artes, um núcleo de produção poética no Brasil – tanto nas artes visuais, quanto na música, dança e literatura – com uma série de artistas se destacando, dentro e fora do país, a cidade na época não tinha um único festival que reunisse a possibilidade de problematizar o campo das artes visuais.

O FIF surge com o anseio de ser um espaço de reflexões críticas sobre a imagem. Em 2012 conseguimos uma verba de fomento junto à extinta* Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais para fazer uma viagem de pesquisa pela Europa. Percorremos 5 países buscando conhecer outras iniciativas e formatos de ações culturais em escala internacional, observando a reação do público e as estratégias usadas em cada lugar. Desenvolvemos uma plataforma que reunia todo um grupo de experiências e aprendizados, somado às questões mais conectadas com nosso contexto local. A proposta do FIF, desde o início, foi ser um lugar para trocas, criação, pesquisa e produção de conhecimento no campo das artes visuais. De lá pra cá o festival vêm amadurecendo e se transformando.

LB/ Letras: Fale um pouco sobre as edições de 2013, 2015 e 2017 e como foi a evolução entre elas.

Bruno Vilela: Sempre tivemos o interesse nessa fotografia ligada ao universo das artes visuais. Em 2013 queríamos investigar esse limite da interseção da imagem fotográfica. Onde ela encontra com a pintura, escultura, poesia, literatura; ou seja onde a fotografia era percebida junto com outras formas de produção, esses outros lugares. Surge então o FIF – Espaços Compartilhados da Imagem, que é exatamente isso; o espaço compartilhado da fotografia com outros campos. Com o apoio da CNI e FMC de BH realizamos exposições, palestras, oficinas, leituras de portfólios, conversas com artistas e lançamento de publicações. Com o conhecimento gerado neste primeiro festival foram derivando as outras edições.

Em 2015 lançamos o FIF – Mundo Imagem Mundo. Se em 2013 queríamos ampliar o diálogo da fotografia com os outros campos de produção poética, em 2015 a ideia era ampliar para outros campos do conhecimento, para a ciências sociais, relações internacionais, ciências políticas, geografia, história e comunicação. Isso acabou refletindo na escolha dos palestrantes; convidamos pessoas que olham para as imagens com um ponto de vista bem diferente, trazendo novas perspectivas e novos ares para a produção da imagem. Queríamos ver como o mundo reverbera na imagem e como a imagem reverbera no mundo, como eles se afetam. Percebemos através de estudos e das palestras que não dá pra ler a imagem através de uma única perspectiva, é preciso um conjunto de perspectivas para se ver a imagem. Um dos professores que participou do festival, Roland Bleiker, tem um texto que fala sobre a teoria da assemblage, a assemblage de possibilidades de leitura da imagem, onde não há uma única forma e sim esse conjunto de formas. Achamos muito interessante a possibilidade de sempre ampliar a discussão.

Em 2013 fizemos o festival no contexto das jornadas estudantis, em 2015 já estávamos em um processo político complexo que acabou culminando no golpe em 2016. Assim, em 2017 lançamos o FIF – Políticas das Imagens, como forma de pensar como as imagens produzem, pensam e interferem na política. De uma certa forma o mundo também reverberou no próprio festival. As imagens aparecem como forma de mostrar, denunciar e dar visibilidade a situações do mundo, conhecidas ou desconhecidas. Percebemos então que o FIF poderia ter um papel um pouco diferente.

Nego Bispo falou em uma palestra em 2017 sobre imagens resolutivas. Como a imagem não quer ter razão nem quer mostrar o mundo mas achar uma solução para as questões que estão no mundo. Assim, lançamos em 2020 o FIF – Imagens Resolutivas (que segue em cartaz) onde propomos esse conceito para o mundo. Instigando fotógrafos e artistas a pensarem nessas questões dentro de um contexto local ou mundial e enviassem trabalhos que reverberam e apontem caminhos para a solução da questão, ou que eles entendam como solução. Muitas vezes a visibilidade é uma solução para um determinado problema, mas nem sempre. Às vezes a imagem pode colaborar de outras formas para um caminho de solução. Receber imagens do mundo todo nos fez entender que essa resolubilidade tem muito a ver com os contextos e os pontos de vista dos artistas. O que acabou sendo complexo até no processo de seleção do edital, pois houve essa riqueza de questões envolvidas, a qual nem sempre somos capazes de entender e nos aprofundar nelas.

GC: Dentro da plataforma desenvolvida para o festival, como forma de organizar o assunto de cada edição, optamos por trabalhar com “eixos de reflexão” em torno do qual gravitam todas suas ações: palestras, oficinas, conversas com artistas e a própria curadoria da exposição. A diferença dessa opção para um tema é que entendemos o “eixo de reflexões” como algo poroso e flexível que pode ser atravessado e tensionado pelo que outras pessoas irão propor, é uma troca de pensamentos. Logicamente quando se aponta para qualquer direção, no campo das idéias,  existirá sempre uma certa edição ou afunilamento da realidade antes de se ganhar perspectiva no assunto. Esse modelo de transversalidade no qual procuramos atuar permite o surgimento de diálogos muito potentes entre as pesquisas da curadoria, dos convidados e dos artistas participantes. Um sempre acaba transformando o outro.

LB/ Letras: Como se dá o processo do edital de participação do FIF?

GC: A cada edição lançamos uma chamada online pública, gratuita e internacional aberta para inscrições de artistas de todo o mundo, em duas modalidades: trabalhos impressos ou instalativos e imagem em movimento. A convocatória é bem ampla nesse sentido, incluindo múltiplos formatos, mídias e experimentos ligados ao campo da imagem. O modelo de inscrição é bem simples. Os artistas precisam informar seus dados básicos, fazer uma breve descrição da obra, enviar uma minibio e uma seleção de 8 imagens. No caso das imagens em movimento é enviado um link para acesso do vídeo, filme, gif ou qualquer outro formato que o trabalho seja apresentado.

Recebemos em média 1400 inscrições vindas de 80 países por edição do festival. Isso acaba gerando uma possibilidade de pesquisa bem significativa em torno da produção imagética daquele momento específico. A seleção das obras é feita sempre por um grupo de pessoas e o recorte curatorial da exposição acontece a partir das propostas enviadas pelos artistas em suas inscrições.

É interessante lembrar que os processos de convocatória/ chamada de artistas também estão submetidos aos sistemas hegemônicos de circulação e acesso à informação ou a produção simbólica. A dinâmica de quem envia e quem recebe determinada informação está diretamente relacionada à forma com que esses sistemas de distribuição e acesso se organizam pelo mundo. Tentamos contornar esse tipo de situação para chegar ao maior número de pessoas possível.

O esforço de comunicação do festival inclui a tradução de nosso conteúdo para diferentes idiomas e o direcionamento de audiência. Teve um ano em que enviamos nosso material para mais de 100 países, traduzido em 5 idiomas. Dependendo do país com o qual se está querendo dialogar, é preciso fazer conexões locais para conseguir circular a convocatória. O período de divulgação da convocatória é um momento intenso que demanda muito planejamento antecipado e equipe para ampliarmos o raio de ação do festival.

Em relação à produção das obras utilizamos o conceito “exhibition copy only” ou “cópia exclusiva para exposição”. As obras selecionadas para a exposição são produzidas e custeadas pelo festival, impressas e emolduradas por profissionais locais em Belo Horizonte. Após a exposição e possíveis itinerância para outras cidades as obras são destruídas. Esse modelo de trabalho, além de cortar os custos de transporte de obras, nacional e internacional, laudos técnicos, desembaraços aduaneiros e logística, possibilita uma maior liberdade ao festival para selecionar artistas de diferentes países e aos artistas de escolherem circular suas pesquisas em outros circuitos com mais facilidade e menos entraves.

Ao longo dos anos, os fornecedores que produzem as obras para a exposição se tornaram grandes parceiros e apoiadores do festival e é muito importante reconhecer isso aqui publicamente. Não se consegue fazer um festival desse sem uma rede solidária em torno de você.

LB/ Letras: E o de seleção das imagens?

GC: No processo de seleção partimos sempre da pesquisa, reflexões e principalmente de um debate de ideias sobre os trabalhos inscritos, assim como das possíveis relações entre eles. Antes dos encontros de curadoria preparamos nossos argumentos para debater com o grupo até conseguirmos construir um desenho das exposições que represente uma visão coletiva e uma linha de pensamento coerente em torno do conjunto de trabalhos dos artistas. Normalmente vamos nos preparando ao longo de todo o período de inscrições para fazermos quatro ou cinco encontros de seleção que duram cerca de um mês e meio. Precisamos dar intervalos entre cada encontro para aprimorar nossas pesquisas e pensar no que os colegas apresentaram. É importante lembrar que o orçamento do projeto, exposição ou festival, tem grande impacto na quantidade de trabalhos selecionados. Muitas vezes queremos trazer mais pessoas e esbarramos no limite orçamentário, que define o número de obras que será possível custear.

LB/ Letras: Desde a primeira edição vocês não se limitam em realizar as ações do festival em espaços institucionais ou privados. Qual é a importância da democratização ao acesso às artes para o FIF? Qual a influência da internet nesse processo?

BV: Queremos sempre conversar com o máximo de pessoas possível em diferentes contextos. Cada pessoa é um universo em si e o contexto faz com que cada um olhe para o mundo de maneira muito diferente, criando assim uma riqueza cultural, uma riqueza de olhares. Precisamos criar condições para que os artistas conversem com o grande público. O cubo branco, a estrutura institucional é muito importante e tem uma condição muito boa para fruir a obra, são lugares tranquilos onde é possível concentrar e dialogar com o trabalho que está sendo exibido, mas ao mesmo tempo é restrito a um grupo pequeno de visitantes. Uma parcela da população não frequenta esses espaços. Ocupar o metrô, fazer projeção em prédios, exposição no parque, e distribuição de cartazes pelos bairros são estratégias que criamos ao longo do tempo para que a gente pudesse atingir uma diversidade de pessoas em seu cotidiano e ao mesmo tempo potencializar o momento de encontro, muitas vezes inesperado, delas com as imagens. Adoramos ir ao parque e ver a interação, a aproximação e os outros usos menos tradicionais que o público faz com as imagens. Em 2017 fizemos uma mostra no Parque Municipal de Belo Horizonte chamada Transversal, com artistas de vários lugares do mundo focada em retratos. Partimos da ideia de como a pessoa constrói sua imagem, seu autorretrato ou o retrato do outro gerando uma série de discussões sobre a identidade. Sabemos que esse tipo de ação no espaço público não é algo inédito, mas vale a pena reforçar sempre esse diálogo com a cidade e com as pessoas. Ocupar cada vez mais lugares próximos às pessoas, lhes causando uma curiosidade sobre o que ainda não viram e criando um circuito e um fluxo entre os espaços públicos e privados é muito importante.

GC: Percebemos hoje como os espaços institucionais terão que se reinventar de alguma maneira em relação às suas formas de atuação. O sistema das artes trabalha com a lógica da legitimidade que é transferida às obras pela autoridade investida nas instituições e atores que operam em conjunto com elas. Porém o acesso às imagens está tão facilitado e acelerado com a presença constante dos dispositivos eletrônicos, que os mecanismos de transferência de valor estão se transformando, mais pulverizados e difusos. Muitas opções de acesso de conteúdo estão definidas por experiências cotidianas e locais, nos círculos de influência das redes sociais, nos códigos de afirmação culturais e de identidade, ou seja a construção do que é importante para cada pessoa se baseia em recortes muito específicos de uma realidade hipercompetitiva, que disputa as atenções bit por bit, linha a linha de programação, num jogo com muitos outros atores de legitimação.

Pensar no universo da fruição, interação e sensibilização do público em face aos dispositivos eletrônicos é algo bem desafiador. São muitas as variáveis apesar de – na escala corporativa global, da indústria de massas – os mecanismos de controle e homogeneização dos sentidos estarem bem definidos: controlar as mentes e corações, ou seja, as próprias pessoas são os produtos em circulação a serem consumidos nesses meios.

As imagens transferem ideias, não são neutras. Influem nos modos de comportamento. Enquanto aceitarmos, por pressão ou opressão, a influência de ideias – transferidas por meio das imagens – contrárias aos nossos interesses de bem estar cultural, social e político, estaremos convivendo com tais figurações ao ponto de se tornarem legítimas, familiares, comuns e até mesmo confortáveis, causando danos, distorções e desconexões entre as pessoas; moldando adversamente a realidade. Essa é uma disputa de sentidos diante da qual não podemos ter ingenuidade. A partir do momento em que exercitamos a leitura crítica em relação às imagens é possível que venhamos a descobrir outras formas de “importâncias” sobre o que é legítimo simbolicamente, sobre o que nos representa, nos conecta com o meio e nos aproxima. Descobrindo assim as construções orgânicas dos sentidos próprias da experiência e subjetividade, diferentes dos transferidos, importados ou programados. Pode ser que com essa atitude não venhamos a desmontar todo um sistema de influências e concentração de poder; no entanto, começaremos a reinventar o mundo em que vivemos e suas bordas nesses dois aspecto muito relevantes: exercendo construção de sentido e atribuição de “importâncias” às coisas da vida por meio da subjetividade orgânica.

Quando a gente percebe, por exemplo, o volume de pessoas que circulam no metrô de BH, vemos o potencial de trocas sensíveis que existem nesses locais de grande circulação de pessoas no cotidiano das cidades; para se ter noção, em um único corredor da Estação Central passam diariamente, em média, 250 mil pessoas. Por isso, além do diálogo constante com espaços institucionais, buscamos ocupar também outras áreas da cidade.

No ano de 2015, o Festival foi realizado no Parque Municipal, no hipercentro de Belo Horizonte. As imagens foram instaladas na grama do parque em painéis de grandes formatos. Um trabalho nos mostrou, em especial, o impacto dessa ação junto ao público. Em frente as imagens do artista Greame Williams, da África do Sul, sobre a transição do apartheid em seu país, se formavam filas de pessoas para fazerem selfies com as fotografias, principalmente uma que apresentava Mandela saindo da prisão sendo recepcionado pela esposa e por amigos.

A relevância desse gesto, desse ato, tem ressonância direta na forma como as pessoas possivelmente imaginam o desfecho ideal para o cenário de lutas políticas em que se vêem representadas ou pelo menos como gostariam que fossem. Os elementos daquela imagem reverberam, geram identificação, as ideias ali presentes são absorvidas e projetadas pelo público. A reinvenção dos espaços institucionais com o advento das redes sociais e dos meios digitais é um desafio posto, não só com a introdução de experiências baseadas em tecnologias ou transferência da fruição para ambientes eletrônicos, mas com a transformação das relações de poder verticais e práticas de autoridade legitimadoras unidirecionais.

LB/ Letras: Neste momento de isolamento social em que muitas vezes o que conecta as pessoas no mundo são as imagens vocês se reinventaram. O FIF – Imagens Resolutivas (2020-2021) apresenta uma programação online,  exposição no Palácio das Artes além da ocupação de fachadas, distribuição de kits expositivos para o Brasil e o Mundo. Nos conte sobre os desafios de se realizar um festival em meio à pandemia de COVID-19.

BV: Pensamos sempre nesses outros formatos expositivos. Enviamos uma caixa de madeira com um kit para as escolas que inclui uma seleção de imagens e um caderno com propostas de exercícios para serem feitos em sala de aula, com foco no educador. A ideia é que os alunos montem uma exposição na escola e aproxime sua relação com as imagens, o artista e o contexto que cada imagem gera. Quando a pandemia chegou, lembramos dessa história e decidimos repensar essa estratégia em larga escala, que levantasse as mesmas questões propostas nas ações educativas. Uma forma de aproximar as pessoas das imagens, algo que possibilitasse a montagem de exposições em suas salas ou nos muros de suas casas; que incentivasse o exercício de conectar as imagens, de aproximar os artistas e as questões. Que fizessem um pouco desse exercício que nós curadores fazemos ao montarmos uma exposição, tentando entender as discussões levantadas por cada trabalho.

Enviamos então, para o Brasil e o Mundo um kit com 100 imagens para o público montar e organizar ao lado de seus objetos pessoais, em conversa com seu universo interno, e isso é muito poderoso. À medida que as pessoas começaram a fotografar suas exposições e nos enviar os registros, percebemos as aproximações das fotografias com outras imagens presentes em suas casas. A exposição  ganha então outras dimensões, acaba sendo única. O kit oferece múltiplas combinações, mas elas se ampliam à medida em que são montadas no espaço escolhido por cada pessoa. De alguma maneira quando propomos esse tipo de ação, por um lado estamos resolvendo a questão do isolamento social, mas por outro levantamos essas outras questões.

LB/ Letras: Quais impactos vocês acham que essas outras estratégias necessárias para se conectarem com o público ao longo do último ano terão na forma como as instituições irão pensar suas atividades daqui em diante? Afinal os museus e as galerias tiveram um ano de espaços fechados, vazios e de poucos visitantes.

GC: Nossas estratégias são sempre pensadas nas possibilidades de ampliar essas conversas com o maior número de pessoas possível. Pelo ponto de vista do público, depois de visitar uma exposição presencialmente, nem sempre é possível dar continuidade ao aprofundamento da pesquisa por meio de consultas online pela falta de materiais complementares ou mesmo das exposições em formato online no site das instituições. A tragédia sanitária que vivemos, nesse sentido específico, aponta a importância dos procedimentos da ampla abertura dos conteúdos para consulta online por parte das instituições: organização de acervos, memórias e registros de exposição, publicação de textos curatoriais dando a possibilidade dessas organizações culturais se transformarem também em centros de memória e pesquisa, formação e desenvolvimento contínuo de conhecimento, fundamental para a construção de um lastro panorâmico sobre a produção simbólica do país, acessível a uma diversidade bem maior de público.

Criar ações híbridas complementares à visitação presencial das exposições com vídeos, imagens, entrevistas, textos curatoriais, legendas das obras e outros materiais é uma estratégia para garantir o interesse continuado do público e ampliar a adesão da população à produção cultural no campo das artes visuais. Houveram muitos exemplos bem sucedidos durante a pandemia e seria fundamental o entendimento que essas plataformas de pesquisa e acesso continuado às visitações das exposições se tornaram indispensáveis.

Outros desafios porém se sobrepõem a esses e ainda precisarão de tempo para se reajustarem e para que haja uma retomada dos sistemas de fomento e produção cultural como um todo. É a questão das políticas públicas de cultura no Brasil e da manutenção das instituições, que têm sofrido brutalmente com os desmontes desleais e covardes dos sistemas de financiamento estatal. Uma política pública sólida, efetiva com respeito à história, ao conhecimento, ao patrimônio simbólico do país é a base para o desenvolvimento do campo, faz prosperar. A cultura é ferramenta de associação, organiza e equilibra o ser. Se as ações culturais e a arte não estiverem no cotidiano da população como ferramenta para construção dos sentidos que conectem as pessoas entre si e ao seu meio, ficamos muito fragilizados e à deriva como nação; expostos a todo tipo de influência e dispositivos de desorientação / desinformação. Quem tem esse potencial de capilaridade é o Estado Brasileiro. Tem como dever fomentar, investir em seu próprio capital simbólico, cuidar de seu patrimônio, de sua memória e de proteger as suas múltiplas expressões culturais. A política pública cuida do que é de todos, dos interesses comuns em suas diversidades, em escala territorial. E é uma diretriz definidora e obrigatória para o fortalecimento da produção artística. A retomada de políticas públicas estáveis é fundamental para a sanidade financeira das instituições brasileiras de arte que em quase sua totalidade se mantém com leis de incentivo e orçamentos públicos.

LB/ Letras: Nos últimos 9 anos o FIF lançou três publicações. Fale um pouco sobre os livros.

BV: Pelo FIF ser realizado bienalmente, temos tempo de digerir cada edição e em um segundo momento, a  partir das nossas percepções, vamos entendendo um pouco o contexto em que vai ser dar daqui pra frente e começamos a pensar na próxima edição. Os livros nos ajudam a olhar para esse conteúdo do que já foi. O livro O Espaço Compartilhado da Imagem, lançado em 2015, é o meio entre o FIF 2013 e o 2015, nós já tínhamos terminado o de 2013 e estávamos na discussão do 2015, ele tem coisas que estão ali no meio do caminho. O Mundo Imagem Mundo, lançado em 2018, também tem uma discussão pautada entre 2015 e 2017 e o FIF Universitário é uma compilação de artigos e pesquisas publicadas. Gostaríamos sempre de poder publicar os livros entre as edições como forma de organizar o conteúdo e sistematizar o pensamento sobre o festival anterior. Nessa lógica temos dois a serem publicados. Ultimamente está muito difícil conseguir recursos através de editais de fomento para publicá-los, pois cada um pode inscrever um projeto por vez e nós temos outros projetos em atividade. Ainda não aprovamos o recurso para produzir o livro de 2017 Políticas das Imagens.

LB/ Letras: E sobre a importância das ações continuadas.

GC: O festival gera uma quantidade grande de conteúdo. Fomos aprendendo que cada eixo reflexivo das diferentes edições é um conjunto de ideias, que possibilita vários desdobramentos e de maneira alguma é esgotado durante um festival. Pensar sobre e digerir o que foi experienciado em cada festival – com os convidados, com os artistas e com as pesquisas que realizamos – é um processo contínuo que precisa de tempo.

Ações culturais amadurecem e crescem com incentivo e continuidade, deixam de ser eventos pontuais e se tornam organizações de formação de público e de fortalecimento da rede produtiva de profissionais da cultura. Em todas as áreas de atuação – e na cultural não é diferente – segurança trabalhista é indispensável para se ter dedicação e aprimoramento das competências. Para que haja melhoria no planejamento, profissionalização, dignidade e prosperidade é absolutamente necessária a ideia de continuidade. Encontrar essas soluções nem sempre é fácil por conta da instabilidade do meio, dependência de patrocínios e enfraquecimento de fundos nacionais e estaduais.

A LMIC – Lei Municipal de Incentivo a Cultura de BH, porém, trouxe uma proposta muito interessante nesse sentido criando a possibilidade de serem inscritos projetos plurianuais. Essa estratégia corrobora com uma melhor estruturação e planejamento das ações de longo prazo e consolida possíveis iniciativas culturais que demandam tempo para desenvolvimento.

LB/ Letras: Há algo que vocês gostariam de realizar, além claro da próxima edição do festival?

GC: Buscamos uma forma de organização e sistematização dos conteúdos produzidos desde 2013, mas isso não acontece imediatamente. Sempre acreditamos que o FIF teria vocação para ser uma plataforma  de pesquisa sobre as imagens e aos poucos nosso site vai se transformando também nessa direção.

BV: Estamos no processo de reunir em uma única plataforma todo material que foi produzido pelo FIF nas quatro edições anteriores e estavam online de forma descentralizada. Hoje você encontra nesta plataforma informações sobre mais de 100 artistas, registros das exposições, livros para download e as palestras realizadas em 2020. Sempre gravamos, mesmo sem recursos, as palestras realizadas como forma de registrar as falas das conversas realizadas nas primeiras três edições de uma maneira mais bruta mas que transmitisse o conhecimento. No futuro teremos todo esse conteúdo no site e ao longo do tempo isso vai gerar um conteúdo acumulado.

Já levamos o FIF para Brasília no Espaço Cultural Marcantônio Vilaça, Ipatinga no Espaço Cultural Usiminas e São Paulo na FIESP (Av. Paulista). No segundo semestre deste ano levaremos um recorte curatorial da exposição “Espaços Compartilhados” da 1ª edição do FIF para São José dos Campos, São José do Rio Preto, Campinas e Itapetininga através do programa de patrocínio do Sesi SP. Temos sempre a vontade de ampliar ainda mais a circulação das exposições pelo Brasil.

Instagram do FIF: @fifbh

https://www.instagram.com/fifbh/

Laura Barbi é curadora e produtora cultural cujas áreas de pesquisa incluem arte contemporânea, identidade cultural e diplomacia cultural. Entre 2008 e 2015 trabalhou como gerente de projetos na Embaixada do Brasil em Londres, responsável pelas mostras e eventos realizados na Gallery 32 e Sala Brasil – ambos mantidos pela Embaixada como uma plataforma permanente para a cultura brasileira no Reino Unido. Mestre em Design Gráfico (University of Arts London) e especialista em Gestão Cultural (Birkbeck College – Londres) é doutoranda em artes visuais (EAU-UFMG) onde pesquisa arte contemporânea e identidade cultural. Em 2017, lançou GAL, um projeto independente de pesquisa e circulação da arte contemporânea brasileira que ocupa espaços vazios na cidade com exposições e eventos temporários.

 

* NOTA DOS EDITORES

A lei 23.304, de 30/05/2019, estabeleceu a nova estrutura orgânica do Poder Executivo do Estado. No artigo 21, define as competências da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo. A partir desta nova legislação houve a junção das Secretarias de Cultura e de Turismo, antes distintas.

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