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E agora, meu querido amigo Portuga?

Editoria Luciana Salles
Minha mediadora de leitura foi minha mãe. Ela não era acadêmica, sequer cursou uma universidade, mas sempre foi uma leitora voraz. Nas poucas horas vagas que tinha estava sempre com um livro nas mãos. Minhas tias eram como ela e lembro bem das trocas que faziam entre si e das conversas efusivas sobre as histórias que liam, das quais eu participava com uma curiosidade febril.
Eu não tinha mais do que sete ou oito anos quando fui até a cozinha para dizer à minha mãe que eu queria “ler um livro grande”. Lembro-me dela secando as mãos no avental ao chegar até a nossa pequena biblioteca para pegar, sem hesitação, “O meu pé de laranja lima”, de José Mauro de Vasconcelos. “Esse aqui vai ser bom”. Até ler aquele livro eu não me lembro de chorar de emoção por alguma coisa. Mas chorei quando o Portuga morreu. E descobri o prazer da leitura.
Dia desses, passeando com meus filhos em Tiradentes, visitamos o Museu de Santanas. Suas imagens mostram a avó de Cristo com um livro no colo, a ler para Nossa Senhora Menina. E a despeito de saber que tratava-se de um livro de doutrinação, na minha romântica interpretação ela simplesmente contava histórias para sua filha. E fiquei pensando na importância dos mediadores de leitura. Minha mãe não passou a sê-lo para mim quando sacou o livro da estante. Ela o foi desde sempre. Os livros estavam ali, pela casa, sendo lidos por alguém da numerosa família que tínhamos. Não havia objeção à leitura – aquilo era parte das nossas vidas.
Não consigo fazer com que meus filhos leiam. Já os presenteei com diversos exemplares, tentei de inúmeras formas fazer com que gostem dos livros, mas sinto que fracassei. Nossas conversas são sobre seriados do Netflix. Quero acreditar que vêm crescendo em um ambiente favorável à leitura, que um dia a paixão pelos livros há de tomá-los de assalto, mas as horas diárias à frente de uma tela de computador me indicam um cenário bem diferente e um futuro que não me adianta seus palpites.
Remontando a um passado mais recente, fico imaginando a casa em que meus filhos cresceram. Se também era feita de livros ou se as séries de TV roubaram a mim antes de roubarem suas infâncias. “Mãe, deixa de ser dramática”, me disse Miguel, o mais velho. “A gente lê muito na escola, mamis, fica tranqs”, disse André.
Certa vez, quando Miguel tinha 3 anos, fez alguma coisa de errado que exigiu um tipo de repreensão. Ameacei esconder dele o seu brinquedo preferido o que o deixou absolutamente perplexo. Em represália ele me respondeu: “se você continuar brava desse jeito eu vou “iconder” todos os seus livros! E também o seu abajour”. Numa única frase ele acabou com o meu cantinho da leitura. Mas reconheceu que ali havia um ambiente leitor. Talvez esteja na luz difusa daquele pequeno abajour a esperança de ainda ver meus filhos a devorarem livros e chorarem suas próprias histórias.

Texto publicado na edição 52 do Letras.

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