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A Economia da Cultura e a leitura

Por Ana Flávia Machado
O tema desta edição do Letras trata de Patrick Modiano, prêmio Nobel de Literatura. Na Economia da Cultura, a abordagem de tal tema poderia ser feita sob várias perspectivas. A primeira delas seria tratar de carreiras bem-sucedidas, como a do escritor, e os efeitos sobre a sua reputação junto ao mercado editorial e ao mercado consumidor. Outros estudos abordam a questão do mercado de edição de livro, a cadeia de produção e seus possíveis estrangulamentos e, mais recentemente, o efeito da digitalização sobre as vendas. As evidências sugerem que o mercado tende a ser mais concentrado tanto em títulos quanto em editoras quando as vendas ocorrem off-line, isto é, em lojas reais, de rua ou de centros de compra. Por outro lado, a venda pela internet amplia o espectro de autores e títulos vendidos assim como abre espaço para editoras menos conhecidas.
Um outro aspecto relacionado ao tema e discutido no âmbito da Economia da Cultura é a demanda por livros não-didáticos (doravante livros). E é justamente esse ponto que escolhi para discorrer neste artigo. O hábito de leitura é um marcador multidimensional. Ou seja, pode ser interpretado como referência de habilidade cognitiva, como característica de erudição, como meio de exercício de cidadania, como facilitador de expressão oral, como critério de exercício de algumas profissões, entre outras dimensões.
Na literatura de Economia da Cultura, o hábito de ler é referência para identificar público tipicamente consumidor e fruidor de atividades e produtos artístico-culturais. Sendo assim, reconhecer o perfil do leitor não só interessa aos atores envolvidos na cadeia produtiva como também aos formuladores de políticas públicas.
Em análises empíricas nas quais a aquisição de livros é contraposta ao preço do produto, ao preço de produtos e de atividades substitutas, à renda e a informações sociodemográficas dos indivíduos adultos, há resultados consensuais, independente do país onde o exercício estatístico é feito.
A demanda por livros é bastante sensível ao preço e, portanto, quando há aumento do valor unitário, a tendência é redução mais do que proporcional na compra de livro. Por entender que livro é um produto que possui um mérito cultural e humanístico em si e está sujeito a oscilações no consumo graças às variações de preços, os países tendem a não tributar ou trabalhar com alíquotas diferenciadas sobre sua produção e sua venda. No Brasil, estão isentos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
No que tange à renda, a demanda por livro tende a aumentar se ocorrem acréscimos na renda das famílias. Quando se analisa em termos de preços de outros produtos artístico-culturais, que poderiam ser opções alternativas, quando estes encarecem, cresce também a demanda por livro. Ainda na esteira da substituição, porém não pecuniária, o empréstimo de livros em biblioteca é apontado como um importante substituto da aquisição, pois, além do preço, a acessibilidade e diversidade de títulos também são fatores importantes.
Ademais, o consumo de livros pode ser afetado por lançamentos de títulos ou números em série de best-sellers. Esse comportamento do consumidor se deve ao fato de os livros serem definidos como bens de experiência, ou seja, as pessoas só têm condições de avaliar a leitura depois de ter passado por ela. Então, títulos de um autor já conhecido ou que integram uma série já lida e apreciada tendem a ser mais procurados. Da mesma forma, por ser um produto de experiência, os consumidores irão consultar especialistas ou seus pares para decidir pela aquisição de um livro.
Em relação às características sociodemográficas, quanto maior a escolaridade do indivíduo, maior a probabilidade de ser consumidor de livro. No âmbito do arranjo da família, domicílios com pessoas solteiras e, sobretudo, com crianças pequenas são mais propensos a comprar livros. Essa constatação pode ser interpretada como uma alternativa que pais consumidores de bens artísticos-culturais encontram para compensar o pouco tempo disponível para atividades culturais fora de casa, em razão dos cuidados com os filhos, e/ou mesmo como uma forma de estimular o interesse de leitura nas crianças.
Embora todas essas características sejam relevantes para entender a demanda por livros, o hábito de leitura é um fator preponderante. Em 2015, foi realizada a quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Entre os bons achados, a pesquisa mostra que houve aumento da proporção de leitores de 50% para 56% em quatro anos, tendo sido definido como leitor aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. E essa elevação ocorreu em maior medida entre os que tinham de 18 a 24 anos, o que pode indicar formação de leitores.
No entanto, entre os que não leem, 32% alegam falta de tempo e 28% afirmam não gostarem. Sobre o que fazem no tempo livre, mais de 70% declararam assistir TV. Além do hábito televisivo do brasileiro, dois outros aspectos favorecem essa atividade quando comparada à de leitura, a possibilidade de realizar outras atividades enquanto se acompanha a programação ou, por outro lado, de ficar totalmente inerte frente à TV, após um dia exaustivo. A leitura exige exclusividade e concentração para fluir. E se considerarmos a internet, principalmente em celulares, essa disputa se torna mais difícil. Na pesquisa mencionada, observa-se crescimento do percentual de pessoas que alocam seu tempo livre para a navegação virtual.
Considerando, assim, esses resultados e inferências, políticas para fomentar o hábito de ler na população brasileira devem não somente considerar aspectos econômicos, mas, fundamentalmente, o estímulo em casa e na escola da prática de leitura e de rodas de conversas sobre a fruição do livro. Pensar a leitura como algo divertido e integrado à vida e à convivência. Ou seja, resgatar o lúdico e o social na leitura de livros de algo que parece tão isolado, chato e difícil. Nessa linha, a internet pode ser uma boa ferramenta, por exemplo, recriando as “bibliotecas” como espaço de informação e prazer.
Referências:
RINGSTAD, V.; LOYLAND, K. The demand for books estimated by means of consumer survey data. Journal of Cultural Economics, Akron, v. 30, n. 2, p. 141-155, Set. 2006.
TELLES, A.G. HÁBITO DE LEITURA EM BELO HORIZONTE. Monografia de Conclusão de Curso, ECN/FACE, UFMG, 2012
TOWSE, RUTH. A Textbook of Cultural Economics, cap.18. Ed: Cambridge University Press, 2010.
Ana Flávia Machado é professora do Departamento de Ciências Econômicas na UFMG

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