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Judson Dance Theater: movimentos cotidianos para a dança

Por Elisa Bélem
Na década de 1960, nos Estados Unidos, um grupo de dançarinos deixou a escola de dança moderna de Merce Cunningham e passou a colaborar entre si. O grupo logo aumentou, incluindo muitos outros dançarinos, compositores, pintores e escultores.

Imbuídos do vigor do mundo da arte do início dos anos de 1960, os estudantes levaram seus trabalhos, que não eram nem um pouco ortodoxos, para o interior de uma igreja conhecida como Judson Memorial Church, localizada no bairro Greenwich Village, em Nova York. A Judson Church recebia eventos nomeados como Dance Theater e Poet’s Theater, tinha também uma galeria e numerosos eventos políticos, tendo sido um espaço vital de encontro entre artistas de todos os campos. Nascia assim, o coletivo de artistas Judson Dance Theater.
O grupo Judson Dance Theater contou com dançarinos que conquistaram um lugar importante na história da dança como: Steve Paxton, Yvonne Rainer, Trisha Brown, Lucinda Childs, David Gordon, Laura Dean, Simone Forti, Ruth Emerson, Fred Herko, Elizabeth Keen, Judith Dunn, Sally Gross, Elaine Summers e outros. O grupo reuniu também artistas de outras áreas como os artistas visuais Robert Rauschenberg, Carolee Schneemann, Alex Hay, Robert Morris e Jasper Johns; os músicos John Cage, Philip Corner, John Herbert Mc Dowell, Malcolm Goldstein, James Tenney; o cineasta Gene Friedman.

Nesse espaço de experimentação da Judson Memorial Church, os artistas realizaram ensaios, treinamentos, reuniões e performances. Em dois anos, criaram mais de duzentas performances de dança que foram apresentadas, em sua maior parte, apenas por uma noite. Muitas experimentações da “era” Judson estavam relacionadas com as noções de cair e de relaxar, reconsiderando as ideias estéticas e técnicas de seus antecessores na linguagem da dança. Havia um desejo de libertar a coreografia da psicologia e do drama, típicos da dança moderna. O grupo perguntava o que era a dança e que tipo de movimentação poderia ser considerada como dança. Estabeleceu assim, uma estética com preocupações formais básicas: experimentos despojados e métodos democráticos, imbuídos de um senso de jogo para a composição da cena. A explosão desse trabalho experimental significou o início da dança pós-moderna norte-americana que influenciou significativamente todas as correntes de dança posteriores nos Estados Unidos e na Europa, conhecidas, em geral, como Nova Dança.

O ponto central da pesquisa do grupo era a crítica à arte de mercado. Há um famoso manifesto escrito pela dançarina Yvonne Rainer, conhecido como No Manifesto, em que ela nega uma série de elementos para defender que fossem abolidos o palco, os figurinos, o espetáculo e a dança:

No to spectacle no to virtuosity no to transformations and magic and make-believe no to glamour and transcendence of the star image no to the heroic no to the anti-heroic no to trash imagery no to involvement of performer or spectator no to style no to camp no to seduction of spectator by the wiles of the performer no to eccentricity no to moving or being moved. (RAINER. In: BANES, 1987, p. 43)

Ao negar a construção da ilusão cênica pela dança, houve uma busca por movimentos cotidianos para a composição (pedestrian movements). Os figurinos e objetos passaram a ser substituídos por roupas confortáveis, neutras, como camisetas e tênis ou, conforme a performance, passaram a possuir um aspecto lúdico.
Havia uma colaboração entre os artistas visuais e os dançarinos no grupo Judson Dance Theater, conforme é possível perceber em depoimentos da dançarina Yvonne Rainer. Ela conta que achava que a dança estava em desvantagem em relação à escultura. Isto porque, o espectador poderia levar o tempo que quisesse ao examinar uma escultura, andar ao seu redor e vê-la de vários ângulos. Um movimento de dança, ao contrário, se dava no tempo e desaparecia assim que era executado. Yvonne Rainer começou, então, a criar danças com movimentos repetidos com a intenção de permitir que o espectador pudesse “andar ao redor deles”. Dessa forma, a repetição de movimentos aumentaria a duração da obra e a posssibilidade de visualizá-la melhor no espaço.

O grupo Judson Dance Theater quebrou convenções da dança moderna ao explorar task dances (tarefas; movimentos cotidianos) e a ideia dadaísta de justaposição. A composição coreográfica da dança moderna foi questionada passando-se a explorar a improvisação através de gestos e ações cotidianas. Um dos pontos fundamentais que unia o grupo era a crença numa arte não hierárquica e o uso de atividades em “tempo real”, desenvolvidas por meio de estruturas de jogos ou de tarefas guiadas. Além disso, o grupo prezava por um funcionamento democrático, no qual todos os seus membros tivessem acesso igual à oportunidade de se apresentar.

O conhecimento e o estudo sobre o grupo Judson Dance Theater são essenciais para uma melhor apreensão das propostas da dança contemporânea que, muitas vezes, apresentam composições baseadas em movimentos cotidianos levando aos espectadores outras possibilidades do que pode ser dança.

Referências

BANES, Sally. Terpsichore in Sneakers – Post-Modern Dance. Boston: Wesleyan Un. Press, 1987.
VIEIRA, Elisa Martins Belém. Práticas para a plenitude do corpo – aproximações entre performance, autoria e cura. 2014. 283f. Tese (Doutorado em Artes da Cena) – Instituto de Artes, UNICAMP, Campinas.

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