– Estudos de autorretrato com Camila Fontenele –
Editoria Daniela Paoliello
Camila Fontenele é pesquisadora e artista visual radicada em Sorocaba, e desenvolve sua pesquisa em torno de questões relacionadas ao corpo a partir de múltiplos meios – fotografia, performance, vídeo, desenho e palavra. Como ela mesma afirma,
apesar da fotografia ser a linguagem com a qual tem mais familiaridade, ela não é suficiente: eu vou pra fotografia e saio da fotografia até entender como o processo pode ser materializado. Vou fazendo um ziguezague. Percebo que não quero só ficar nesse campo do “ah, eu vou me fotografar e vou mostrar que sou gorda”, ou “vou só ficar falando sobre gordofobia”, então comecei a expandir um pouco mais.
Os trabalhos que Camila nos apresenta aqui nascem de experimentações com a performance feita exclusivamente para a câmera, em um processo de investigação autoetnográfica. Sua pesquisa se desenha na busca por formas de habitar lugares e construir relações de pertencimento, esquivando-se de um caminho de auto-violência.
Eu sou gorda, então decidi que não queria mais ficar fazendo um monte de dietas, não queria mais usar roupas para disfarçar ou tirar foto de um jeito que não apareça o tamanho real. Foi nesse momento que comecei a perceber que estava em um lugar de “assumimento” desse tamanho, que existem coisas muito mais complexas que a estética ou padrão por trás de um corpo gordo que deseja viver e gozar das suas formas. Ao mesmo tempo, não quero ser só alguém que é marcada por essas identidades: gorda, racializada, etc, porque a gente sabe que a identidade é uma estratégia, e ela não consegue dar conta do que realmente somos. Sendo assim, vou criando possibilidades de me entender e me cuidar em um mundo, ao menos esse de agora, que informa que eu não posso existir
.
Camila instaura espaços temporários a partir de operações ficcionais capazes de intervir diretamente no real. Da ordem de um fictício possível, seus trabalhos apontam caminhos para um outro mundo onde seu corpo possa descansar em movimento. Sua estratégia poética remete a um processo de desaparição e camuflagem, operado através das imagens, que dá lugar a uma reinvenção de si e da aparição de um outro ser/lugar.
Tenho pensado nesse corpo que é muito visível e ao mesmo tempo invisível dentro das dinâmicas de desejo, políticas públicas, poder, etc, então tenho firmado um autocompromisso na busca de estratégias para criar um lugar de existência e de possibilidade de descanso. Qual chão aguenta o meu descanso? Quem ou o que me guarda enquanto eu descanso? Tenho divagado sobre a disponibilidade e a indisponibilidade. Estou tentando criar uma camuflagem para descanso. Com isso, tenho trabalhado, ao menos nesse primeiro momento, em formas montanhosas, onduladas e vulcânicas de deitar. Meu maior desejo é propiciar uma certa confusão. Para tal gesto preciso praticar exercícios que fortaleçam os meus músculos…
De certa forma o não-lugar está posto pra mim. Então, às vezes fico assim: pra onde eu vou? Eu fico pensando como a gente cria uma casa que seja disponível para a gente, uma casa que não é só um lugar físico, mas é um lugar de pertencimento, de existência… Esses dias sonhei que o mar invadiu o quintal da minha casa, e que ele ia e voltava me puxando, como quem diz “venha comigo”. E a água era um azul escuro bonito, quase segui o movimento. Porém, escolhi entrar dentro de casa e fui direto para o quarto, no cômodo havia uma beliche muito alta e eu simplesmente deitei.
Quando Camila fala são muitas as vozes que falam através dela, “são meus ancestrais”, são mensagens também de outros lugares habitados. Mensageira entre dois mundos, “eu, baleia”, transportando aquilo que está no fundo do mar até a superfície e vice-versa, em um ciclo de ascensão – descensão – ascensão, mensageira de um mundo por vir.
A baleia acessa o fundo mas também acessa a superfície, e como ela vai carregando essas informações? Como ela vai criando pertencimento no deslocamento? Então vou partindo um pouco disso. Como se ser baleia fosse a última memória que me sobrou antes de nascer humana. Tenho tentado ressignificar o deitar, a horizontal, a permanência, pois se a baleia deita na areia ela encalha, a terra não suporta seu peso e os órgãos dela são esmagados. Então, como encontrar um jeito de deitar que não signifique morrer? Para além da horizontal, quais outras posições posso encontrar para descansar? As baleias cachalotes, por exemplo, mergulham em profundidade, viram a cabeça para cima e dormem na vertical e isso proporciona um sono flutuante, pois essas baleias vão subindo em direção à superfície enquanto dormem…. São muitas questões e informações que vou tentando lidar, sabe?! Seja no meu trabalho, na minha vida, nas minhas relações.