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"Arquitetura Não Se Ensina. Arquitetura Se Aprende"

Por André Luiz Prado e Carlos Alberto Maciel

Aprender A Aprender

O arquiteto espanhol Rafael de la Hoz costumava dizer que arquitetura não se ensina, mas arquitetura se aprende. Essa frase diz muito sobre o campo e sua peculiar produção de conhecimento; sobre a educação e a compreensão de que o conhecimento não se transfere, mas se constrói; sobre o papel do professor como alguém que media e contribui para a construção desse conhecimento pelo próprio aluno; sobre o processo pedagógico que, na arquitetura, historicamente, se dá não por uma sequência de conteúdos pré-estabelecidos, mas pelo projeto, ou, em outras palavras, pela potencialização da imaginação criativa que inventa algo que talvez antes nunca tenha existido.
Em um tempo em que a educação convencional, de base científica, tem adquirido uma hegemonia a ponto de permitir que se proponha a eliminação do ensino de artes e de educação física na educação básica, cabe indagarmos sobre outras possibilidades de pensar a formação.

Aprender A Desaprender

Ao ingressarem nos cursos de Arquitetura e Urbanismo ou de Artes, não é incomum que muitos estudantes, adestrados no ensino médio, sofram um choque entre suas expectativas quanto aos métodos de ensino e avaliação e as possibilidades abertas pela experimentação e imaginação que, em geral, essas disciplinas não baseadas nas metodologias científicas tradicionais lhes oferecem. No caso da arquitetura, a oposição entre pensamento científico e imaginação criativa – a propósito, uma falsa oposição, pois a evolução científica não pode prescindir da imaginação – está na base da estrutura da maioria dos cursos mundo afora. O australiano Garry Stevens, no livro “O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica”, aponta que essa oposição entre humanidades e ciências é uma condição de fundação da maior parte dos cursos de arquitetura no mundo e sobre ela se assenta a distinção entre arquitetos criativos, que dominam o campo, e técnicos competentes, em geral em posições inferiores social e economicamente. Essa oposição decorre em parte da histórica polarização entre as escolas politécnicas e as escolas de belas artes. Superar essa polaridade entre técnicos pouco inspirados e artistas pouco responsáveis parece ser contemporaneamente uma condição de partida para a formação de um arquiteto. Exige uma certa postura de desaprender: de um lado a reproduzir a imagem do gênio criador, e de outro a concentrar demais os esforços nos meios mais que nos fins. Alguma conciliação entre imaginação e conhecimento pode estar na base de uma pedagogia alternativa para a arquitetura e, porque não, para as artes em geral.

Tempos de Grossura

Nunca a imagem alegórica da educação como um farol marítimo pareceu fazer tanto sentido. Isso porque nosso tempo se mostra cada vez mais sombrio. Há hoje no país três propostas em tramitação no Congresso Nacional, a “Escola Sem Partido” (PL 7.180/2014), a medida provisória do Ensino Médio (MP 746) e a “PEC do Teto” (antes PEC 241/2016 agora PEC 55/2016) que, respectivamente, atentam frontalmente contra a liberdade pedagógica permitindo a criação de tribunais escolares e todo o tipo de perseguição ideológica nas escolas, inviabilizam uma distribuição equilibrada de recursos entre ensino fundamental e ensino médio e impedem qualquer possibilidade de melhoria na educação básica. Apontam para o caminho da privatização do sistema educacional e exterminam a noção de ensino público de qualidade em todos os níveis. Esses e outros duros golpes que a educação vem sofrendo aqui e em várias partes do mundo se inserem no contexto de um amplo processo de desconstrução de valores como a liberdade e a justiça social, sufocados por ideais liberais e conservadores, e da ampla prevalência dos direitos e valores individuais sobre os coletivos. Diante de um cenário que se torna progressivamente mais obscuro em termos civilizatórios em todo o mundo e frente a tantas ameaças sombrias que pairam no horizonte em nosso país, lançar luz sobre o papel do ensino em nossa sociedade é fundamental. Mais do que nunca precisamos da educação como farol que aponte algum caminho de esperança para sermos capazes de imaginar a superação desses tempos de grossura, como outrora Lina Bo Bardi definiu a ditadura.

Ócio, Não Negócio

Especificamente em relação ao ensino superior, há hoje dois modelos radicalmente opostos que vigoram no país, ilustrando essa disputa política e social em curso: as universidades públicas de um lado e as faculdades privadas de outro. As primeiras detém a quase exclusividade do desenvolvimento científico, abrigando a pesquisa e estimulando a extensão, com forte presença junto à sociedade. Sobrevivem, entretanto, em um contexto tecnocrático altamente rígido, o que sufoca e mata diversas iniciativas cujos fundamentos e procedimentos sejam menos enquadráveis nos formatos burocráticos, diversas vezes auto-impostos pelos próprios acadêmicos. As últimas, por outro lado, cada vez mais se concentram naquilo que produz riqueza – não para a sociedade, mas para seus sócios: o ensino de graduação, fartamente patrocinado pelo investimento público nos últimos anos, através do FIES. Um fenômeno relativamente recente é a abertura de capital das empresas de educação. Na base desse processo está o enquadramento das instituições de educação como empresas. Uma maneira simples de compreender a inadequação fundamental dessa inversão de valores passa pelo reconhecimento da própria etimologia da palavra “escola”: do grego Skholé, ócio, tempo livre. E o finado professor de estética da FAUUSP, Flávio Motta, já nos ensinava: negócio é a negação do ócio. Uma empresa de educação com capital aberto na bolsa de valores, exigindo que o faturamento e, principalmente, o lucro, cresçam permanentemente, implica em uma inversão de valores que inviabiliza a própria ideia da educação. Isso vem levando ao ensino à distância, à precarização das condições de trabalho de docentes e funcionários, a currículos cada vez mais mínimos, a escolas de tempo parcial, enfim, ao ensino transformado em relação de consumo. É impossível comercializar o ócio sem transformá-lo em entretenimento.

Escola: Uma Questão Central

Tempos sombrios como o que vivemos em que poucas alternativas se apresentam para a construção de novos encaminhamentos pedagógicos para o campo da arquitetura talvez constituam, paradoxalmente, a situação ideal para o surgimento de novas propostas de ensino para o campo. Urge retomar o sentido da escola em sua raiz e a ideia de uma plataforma mais aberta, mais livre, sem o peso excessivo da burocracia institucional e sem os reducionismos impostos pela necessidade imperativa de lucro financeiro. Se a academia é um ambiente de produção e de partilha de conhecimento que deve propiciar uma formação humanista capaz de contemplar uma prática de estudos dedicada, deve ser também um ambiente de criação e do fazer, em que a alteridade seja preservada e simultaneamente sejam fortalecidos os vínculos com o coletivo. Conceber a escola como um local de encontro e convivência, não apenas para os seus alunos, mas para a cidade, pensando o ensino e a educação como plataforma de desenvolvimento humano, como fez o arquiteto Alexandre Delijaicov ao projetar em São Paulo os CEU’s – Centros Educacionais Unificados -, exige uma renovação das práticas acadêmicas e um alargamento da própria ideia do lugar e da instituição Escola. Acreditamos serem esses, alguns dos princípios válidos para começarmos a vislumbrar novas e melhores escolas para o futuro.
 
André Luiz Prado e Carlos Alberto Maciel
Arquitetos, mestres e doutores pela EAUFMG, onde são professores. Sócios do escritório Arquitetos Associados. Integram o grupo de fundadores da Escola Central.
Este artigo é o primeiro de uma série dedicada ao ensino de arquitetura. São parte da produção dos arquitetos no âmbito do Grupo de Pesquisa em Ensino de Projeto da Escola de Arquitetura da UFMG.

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