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Do micro ao macro – breves considerações sobre o papel do espaço em alguns filmes

Por Nísio Teixeira
Editoria Rafael Ciccarini
Uma gradação micro-macro da casa-bairro-cidade sugere uma perspectiva que é, ao mesmo tempo, de maior afastamento do objeto, mas, ao mesmo tempo, de seu maior domínio e, grosso modo, pode se encaixar na perspectiva histórica do cinema, que nasce em meio às quermesses de palcos teatrais e mágicos como aqueles de Méliès, reconstruídos em A Invenção de Hugo Cabret, para alcançar as dimensões colossais e industriais dos primeiros estúdios – como aquele em que Griffith gravou Intolerância, ou aqueles também retratados em O Artista – aliás, dois filmes que, para além da representação deste espaço inicial no cinema, tornam-se, em si, representantes da megaorganização espacial que um filme precisa ter… Considerações institucionais à parte, voltemos ao exame de como essa representação e uso do espaço pode se associar a uma determinada intenção ou, digamos, dramaticidade cinematográfica.
Espaços fechados, por exemplo, poderiam sugerir uma ideia clara de confinamento ou claustrofobia, propiciando a tensão na construção do(s) personagem(ns), como sugerem Ridley Scott, John Carpenter, Wolfgang Petersen, Oliver Stone e Vincenzo Natali em, respectivamente, Alien – o 8º passageiro; o Barco – Inferno no Mar; Talk Radio – Verdades que Matam; o Enigma do Outro Mundo e O Cubo. Mas também podem forçar na aproximação de identidades distantes, como o grupo de testemunhas em Doze Homens e uma Sentença, de Sidney Lumet ou mesmo um casal que mal se conhece e acorda numa cama de motel para discutir a relação depois da balada bêbada, como em Quarto 314, de Michael Knowles; Na Cama, de Matias Bize e Entre Lençóis, de Gustavo Roa ou ainda, estendendo para o espaço de uma escola o hit de outrora Clube dos Cinco, de John Hughes.
Do quarto pra casa, passamos certamente por Alfred Hitchcock em duas clássicas produções onde o filme – e nossa atenção – não saem de um mesmo lugar, como Festim Diabólico e Janela Indiscreta. Ou ainda Trama Diabólica, de Joseph L. Mankiewicz; A Festa, de Ugo Giorgetti; Os Sonhadores, com Bernardo Bertolucci e, fugindo rapidamente para um restaurante, Meu Jantar com André, de Louis Malle. Mas parece que um diretor que gosta mesmo de contar histórias só em um determinado lugar e com isso tentar contar a história daquele lugar, também o transformando em personagem, a meu ver, é Ettore Scola, com O Baile e A Família. A concentração do lugar permite enfatizar ainda uma espécie de mergulho sensível no detalhe cotidiano de personagens, como se verifica em O Poeta do Castelo, de Joaquim Pedro de Andrade, Santiago, de João Moreira Salles, a Les Dernières Fiançailles, do quebequense Jean Pierre Lefebvre.
O lugar como um personagem especial que influencia o personagem ator é caro a algumas associações entre os espaços urbanos e os olhares cinematográficos a ele ou por ele lançados. A cidade assim emerge a partir – e traduz a visão – de diretores quando nos referimos, por exemplo, “à Nova Iorque de Woody Allen” ou “…de Spike Lee”; “à Barcelona de Pedro Almodóvar”; “à Montreal de Denys Arcand”; “ao Rio de Janeiro de Nelson Pereira dos Santos”; “à São Paulo de Luiz Person”, dentre outros. Cabe abrir um parênteses e lembrar que o próprio lugar pode ser também re-construído, re-presentado por este olhar, como o Rio de Janeiro em uma série de produções de Hollywood entre os anos 1920 e 1940 ou a Nova Iorque e São Francisco recriadas nas cidades canadenses de Toronto ou Vancouver.
Da cidade como influência ao personagem para a natureza, chegamos à frase de John Ford, que dizia que “a paisagem é meu melhor personagem”, evidenciada em diversos de seus faroestes. A força do elemento natural sobre o homem também se torna salutar em vários exemplos da filmografia de John Boorman e Werner Herzog – ou em Dersu Uzala, de Akira Kurosawa; Le temps d’une chasse, de Francis Mankiewicz e Na Natureza Selvagem, de Sean Penn – e mesmo na produção cinematográfica pernambucana mais recente como Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes e Árido Movie, de Lírio Ferreira. Se nos primeiros exemplos do quarto e/ou sala, reinam os planos fechados e médio, aqui o plano geral domina a cena – e o homem.
Por fim, além de uma referência dramática para o filme, seria o espaço físico propício para um indicativo de gênero? Grosso modo, poderíamos dizer que suspense, drama e comédia podem gerar filmes que podem ser possíveis no mesmo lugar – como visto, uma casa, um quarto, uma mesa de restaurante. Por outro lado, a aventura e a ação parecem pedir, de antemão, o deslocamento pelos lugares, como nas arquetípicas narrativas de heróis como Ulisses ou Hércules. Talvez seja por isso que o agente 007 e os personagens de Tom Cruise e Matt Dammon, respectivamente em Missão Impossível e na trilogia Bourne, permitam a piada de que eles parecem – ou devam – passar por 12 países a cada 15 minutos. Essa óbvia constatação também está presente em todos os Indiana Jones. Curiosamente, fugiria a esta regra aqui o personagem de Bruce Willis nos primeiros Duro de Matar (John Mc Tiernam e Renny Harlim, respectivamente) – mas mesmo aqui o espaço, afinal, deve ser grande o suficiente para novamente permitir o deslocamento excessivo que põe em prova(s) o herói – no caso dos dois filmes, em que o arranha-céu ou o aeroporto, respectivamente, dilatam-se para constituir e se tornar o imenso lugar desse desafio.

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