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Um balanço dos desafios da política para a cultura e o turismo em MG

Por José Márcio Barros

Entrevista com Leônidas Oliveira – Secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais

Nascido em São Gotardo, na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Leônidas Oliveira 39 anos, é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela PUC Minas e possui mestrado em Restauração e Reabilitação do Patrimônio Histórico Arquitetônico e Urbano pela Universidade de Alcalá de Henares/ Gregoriana de Roma, Itália e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Valladolid, Espanha. Foi presidente da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte e da Belotur e desde maio de 2020 assumiu a gestão da Secretaria de Cultura e Turismo de Minas gerais (SECULT MG).

José Marcio Barros/ Letras: Sua gestão frente à SECULT MG completou 1 ano em maio de 2021. Como foi o início do trabalho e suas primeiras ações?

Leônidas Oliveira: No primeiro momento encontrei uma situação de indefinição quanto aos rumos frente à pandemia do Covid 19. Minha primeira ação foi conhecer e conversar com a equipe e com as instituições vinculadas para conhecer como estava o clima interno. Dois dias depois eu iniciei uma série de conversas com toda a classe artística, produtores e instituições tanto as formais quanto as não formais, o trade de turismo e os Conselhos de Políticas Culturais e de Turismo. Daí nasceu um projeto que foi o nosso primeiro, o Arte Salva junto com todos esses atores colaborando de forma muito horizontal tanto na construção do fomento como na construção do auxílio emergencial. Reunimos mais de 60 instituições. A questão da alimentação naquele momento era um problema muito forte. Fizemos muitas lives com artistas e conseguimos arrecadar e distribuir em torno de 500 toneladas de alimentos. Foi o emergencial antes da lei emergencial da cultura.

JMB/ Letras: Você poderia fazer um balanço do processo de planejamento e execução da LAB em MG? Quais os principais resultados e os principais desafios?
Leônidas Oliveira: O planejamento foi realizado num processo demorado mas positivo, de diálogo entre a   comissão de gestão estratégica da SECULT MG e a sociedade civil. Optamos por não usar a regulamentação do Fundo Estadual de Cultura. Foi criada uma conta específica para a Lei Aldir Blanc.

Como resultados principais, destaco que atingimos 323 municípios, o que nunca foi alcançado pelo Estado nos mecanismos de fomento já existentes. Conseguimos também implementar alguns aspectos de flexibilização na execução das ações, além de articular de forma consistente com Mostras e festivais (responsáveis por 1/3 dos recursos totais) e com a rede estadual de pontos de cultura. O esforço conjunto garantiu que se empenhasse a quase totalidade dos recursos recebidos e o mais importante, Minas Gerais já pagou mais de 98% do total de termos de compromisso de emergência assinados.

A execução esbarrou em dificuldades as mais variadas, mas principalmente pela dificuldade do Estado em lidar com a novidade da legislação. Tentamos facilitar ao máximo o acesso dos diferentes setores artísticos e culturais aos benefícios da LAB, especialmente em virtude da pandemia e do momento emergencial, mas nos deparamos com dificuldades em todos os órgãos de controle, que exigiam documentações e procedimentos padrão como se estivéssemos em tempos normais. Avalio como acertada a opção por não colocar o recurso da LAB no Fundo Estadual de Cultura, senão teríamos tido ainda mais dificuldades.

O processo revelou ainda outros 2 desafios, a necessidade de uma estrutura mais forte de Recursos Humanos para gestão de editais e a urgência de criação e atualização de cadastros dos agentes e espaços culturais do estado. Além disso ainda temos a resolver questões específicas de pagamento a proponentes que não receberam os recursos.

JMB/ Letras: Como gerir a política cultural em um estado com mais de 800 municípios?

Leônidas Oliveira: Definitivamente não é fácil. A própria estrutura dos órgãos públicos estaduais ainda é muito centrada na capital, uma vez que a sede tanto da SECULT quanto das instituições vinculadas é em BH. O desafio, além da extensão geográfica e administrativa, é o de pensar o estado como um todo. As lógicas atualmente existentes não consideram ainda a diversidade de municípios que temos. Nem o próprio Conselho Estadual de Política Cultural consegue expressar essa diversidade, e por isso estamos promovendo alterações nos regulamentos que possibilitarão um desenho inovador de participação das várias regiões do estado. Não é só uma questão da falta de recursos, mas de mecanismos de participação, de democratização e de regionalização que efetivamente coloquem o Estado em interação com todos os municípios e não apenas que concentre recursos ou serviços em algumas poucas cidades.

JMB/ Letras: Qual é a relação atual da SECULT MG com a Secretaria Especial de Cultura do Governo Federal?

Leônidas Oliveira: Estritamente a federativa e necessária.

JMB/ Letras: Qual o impacto para o estado de Minas Gerais e para os artistas e técnicos com a paralização na Lei Rouanet? Os equipamentos públicos são muito afetados?

Leônidas Oliveira: Impacto enorme, realmente. Centenas de projetos de longa data que estão parados aguardando a manifestação da equipe responsável pela lei federal. Faltam pareceres, falta validação da comissão nacional de incentivo. Há inúmeros casos nos quais os proponentes de Minas Gerais até conseguiram captar recursos e eles estão parados desde janeiro na conta aguardando autorização para movimentação/execução.

Boa parte dos museus estaduais e dos diversos programas e ações dependem de recursos complementados pelas estatais por meio do incentivo fiscal e têm sua programação, mesmo a virtual, vinculada a estes recursos. Nos preocupa e muito a questão de infraestrutura física, que tinha acordos diversos de patrocínios e que se encontram parados dependendo dessa movimentação que é operacional interna.

JMB/ Letras: E a questão do financiamento e fomento às artes e  à cultura, como seus mecanismos estão funcionando em 2021?

Leônidas Oliveira: A previsão é de recursos da ordem de 116 milhões liberados para a renúncia fiscal e 16 milhões para o Fundo Estadual. Os mecanismos, como temos atualmente, não conseguiram ainda atingir todo o território do estado. Levantamento da nossa equipe técnica apontam que na renúncia fiscal em 2020 tivemos 35 municípios usando 95% do total disponível. No Fundo Estadual de Cultura a realidade é outra, mas ainda assim são proponentes de 184 municípios usando 89% do total disponível. E não é só questão de aprovar, mas de muitas regiões apresentarem mais projetos, maior articulação e maior profissionalização das artes. A situação é mais delicada ainda se contarmos que as culturas populares vivem em situação constante de emergência, independente de pandemia. A pandemia só piorou o quadro, no caso de povos e comunidades tradicionais, infelizmente.

MB/ Letras: Quais as principais alterações previstas na Lei Estadual de Incentivo à Cultura e no FEC?

Leônidas Oliveira: São várias as mudanças, todas elas pensadas em aprimorar o instrumento de fomento e financiamento, sem causar impacto orçamentário, sem ampliação de limites, o que poderia causar dificuldades na tramitação em diversos outros órgãos e de forma  ajustada ao fluxo de caixa do Estado, num alinhamento realizado antecipadamente com a Secretaria de Estado da Fazenda.

Podemos destacar a indução federativa para que as empresas tenham maior interesse em financiar projetos oriundos do interior, com critérios diferenciados para essa opção, como eliminação de contrapartida, diminuição de depósito direto no FEC, quando os projetos forem do interior ou atendam critérios de regionalização e democratização que o Consec estipular. Nossa expectativa é de aumentar o número de municípios atendidos pelo incentivo fiscal de 35 para 150 e no fundo estadual, ampliar de 184 para 400. Isso já será um avanço grande.

Um aspecto a frisar aqui é que temos uma necessidade urgente de ampliar a quantidade de projetos apresentados pelas diversas regiões do estado e para isso precisaremos de um esforço concentrado para treinamentos e cursos para elaboração e execução de projetos. Isso não exime o estado da obrigação de pensar a simplificação dos editais e processos, mas é urgente que mais artistas profissionais entendam a importância dos projetos e consigam apresentá-los. Sabemos que políticas públicas não são feitas só de financiamento, mas sem financiamento não temos políticas consistentes e com a ajuda do conselho, que está passando por renovação agora, acredito que vamos avançar.

Outros pontos são a criação de novas modalidades que abarquem iniciantes e povos e comunidades tradicionais e o reconhecimento expresso da natureza da atividade das culturas populares, o que vai ampliar as possibilidades de atuação do Estado, com repasses de subvenção e com facilidades no que diz respeito aos cadastros, inscrições e prestação de contas para esses grupos. Além disso, a possibilidade de empresas privadas também financiarem Editais de Ações Especiais (antes só as estatais poderiam); a possibilidade de se destinar recursos para Fundos Patrimoniais de Organizações Culturais da Sociedade Civil, nos termos da Lei federal lei nº 13.800 (endowments).

JMB/ Letras: Quais são os projetos estruturantes de sua gestão e quais as perspectivas para os próximos doze meses na política cultural do estado de MG?

Leônidas Oliveira: A reformulação da lei de incentivo, a revisão e execução do plano estadual de cultura, os planos de desenvolvimento da economia criativa, voltados para artistas e técnicos profissionais, e planos de promoção da diversidade, voltados para grupos e povos tradicionais, bem como a reformulação do conselho, com a integração efetiva das regiões administrativas na formulação e acompanhamento das políticas culturais.

Outro ponto importante é o fortalecimento da perspectiva de transversalidade na gestão, ampliando as possibilidades de Turismo e Cultura atuarem plenamente em conjunto para a promoção da cultura e do patrimônio cultural de Minas. Para que se tenha uma ideia 12,7% das empresas e 7,9% dos empregos em Minas Gerais são da área de Turismo, que somados aos empregos diretos da cultura, atingem o patamar de 12%. Sempre digo que nosso turismo é eminentemente cultural e temos que usar isso a nosso favor e a favor dos cidadãos. Os programas Reviva Turismo e a preparação do setor cultural para lidar com a retomada serão desafios grandes da gestão, uma vez que os impactos negativos da pandemia ainda serão sentidos muito tempo após vencermos essa Covid 19. Pretendemos ainda expandir as ações da Fundação de Arte de Ouro Preto, a FAOP para todo o estado, de forma a contribuir para a formação de mão de obra especializada para a preservação do patrimônio histórico e cultural em todo o estado, além de transformar a Rede Minas em uma grande e forte agencia de políticas públicas e fomento ao audiovisual.

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