Editoria Ana Elisa Ribeiro
Uma poeta não nasce com um primeiro livro. Ela nasce antes. Os primeiros livros de poesia costumam ser resultado de muitas gavetas cheias, de dias de angústia, de certa solidão ou de desejos de interlocuções que não acontecem, leituras inspiradoras e vários não, geralmente por e-mail, na tentativa de publicar um conjunto de textos enfeixados por um título. Hoje em dia, os não são menos comuns, isso porque as editoras independentes cresceram em número e qualidade, mas ainda assim a existência de um livro de poesia é precedida de uma trajetória não desprezível.
Máquina de costurar concreto é o segundo livro de Amanda Ribeiro, mineira de Belo Horizonte, autora do quinto volume da coleção Madrinha Lua, que só publica poetas contemporâneas brasileiras desde o final de 2021, projeto da editora paulistana Peirópolis. Podemos considerá-lo o primeiro poemário adulto da escritora, que antes havia publicado uma delicada obra dirigida às crianças (mas capaz também de encantar adultos), Livre é abelha, em tiragem semiartesanal pela editora mineira Impressões de Minas, responsável por entregar a leitores e leitoras livros lindíssimos, em todos os sentidos, nos últimos anos.
Em Máquina de costurar concreto, Amanda Ribeiro, dona de uma voz poética singular e arrebatadora, traz inspiração de sua abelhinha anterior (e interior), mas entrega um conjunto de poemas surpreendentes, a um só tempo delicados e fortes (como sugere o título do livro), corajosos e de dicção muito contemporânea, tanto no uso da linguagem quanto na forma dos versos e estrofes. Estão entre seus temas o amor e seu avesso, desgaste, faísca, no encontro com o sexo, o desejo e o desdém, sugestões das relações (homo)afetivas, em ambientações e paisagens que a voz poética compõe para nos envolver, e envolve. A casa, o quarto, a varanda, a janela, por exemplo, estão na poesia de Amanda, mas nada disso aparece como objeto puro; é possível ali perceber a luz, ouvir o som exterior, sentir a pulsação das pessoas, ouvir o coração da amante com a cabeça encostada em seu peito, acordar e dormir, sentir a textura do amassado dos lençóis, o gosto do café e do pão, a casca da fruta; sem falar na cidade, na zona urbana com sol e chuva, nas passadas no caminho para casa, na vida interior, uma espécie de viver e pensar constante, tornado verso numa timidez sedutora, que levou anos para se tornar livro, mas está aí. Difícil pinçar um poema e retirá-lo de seu sistema, num conjunto tão articulado, mas aí vai, para ser lido com atenção a cada bela imagem.
quarto 3
parada vendo o sol
nascer atrás do seu corpo
um campo imenso
de sempre-vivas
sua pele rente à minha
os pelos serenos
a cabana formada pelas suas mãos
cobrem seu umbigo e o rastro
seco da minha saliva
tento compassar
minha respiração com a sua
você demora mais tempo que eu
para inspirar
e expirar
talvez eu não faça
bom uso dos meus pulmões
e você me ensine coisas
da maior importância
até dormindo