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A rede expandida da tipografia e o patrimônio gráfico em Minas Gerais

Editoria Cláudio Santos Rodrigues e Sérgio Antônio Silva

Este ensaio possui como tema geral o interesse pelo universo da tipografia – aquela da impressão com tipos móveis –, que cada vez mais se vê conectada em rede, com pessoas e instituições que a mantêm viva, como um ato de resistência e experimentação, seja pelas vias tradicionais de pesquisa em instituições acadêmicas – no nosso caso, a Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (ED-UEMG), seja alinhada a ações de experimentação gráfica no design e nas artes visuais.

Um mapeamento dessa rede foi amplamente difundido a partir da dissertação de mestrado Design aplicado às tecnologias de rede colaborativa: projeto para difusão da memória coletiva da tipografia em Minas Gerais.1 Na pesquisa, foi possível identificar o que chamamos de uma rede tipográfica em Minas Gerais, sempre com a possibilidade de ampliação para outros estados, regiões e países. A pesquisa tratou também do contexto de obsolescência que vinha acontecendo com a materialidade – logo tratada como patrimônio gráfico – das tecnologias de impressão, aliado às possibilidades de difusão via tecnologias digitais. Finalmente, como resultado, consolidou-se o interesse em uma atuação híbrida que envolva mídias e artes digitais – ou emergentes, que é como as temos chamado, em complementaridade às mídias analógicas, ditas permanentes.

Outro resultado da pesquisa foi o mapeamento de tipógrafos e pesquisadores em atividade, localizando espaços e instituições que mantêm vivo esse universo em Minas Gerais e consolidando esses dados na linguagem da infografia. No momento, podemos perceber a ampliação das relações que surgiram à época da pesquisa e que se sucederam desde a publicação da dissertação.

No tocante à ampliação da rede, um dos destaques é a formação da Red Latinoamericana de Cultura Gráfica. Conforme descrito no site https://redculturagrafica.org, a rede “é uma iniciativa que visa fortalecer o contato entre instituições e profissionais que se dedicam ao amplo espectro de temas, discursos e ações constituído em torno dos estudos e das práticas relativas aos modos de produção, circulação, apropriação e salvaguarda da matéria escrita, seja através do desenvolvimento de pesquisas e programas de ensino, ou de projetos de preservação e atividades práticas diversas inscritas no âmbito da Cultura Gráfica na América Latina”. Na palestra “La importância del diseño gráfico e la cultura visual en la historia de la edición!”, proferida pela atual coordenadora da Red (juntamente com Ana Utsch, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais), Marina Garone Gravier, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich-UFMG), em abril de 2019, foram abordados temas como hábitos culturais, ecologia visual, elegância tipográfica, delicadeza do desenho, visibilidade silenciosa, afinidade eletiva, forma e conteúdo, ecologia semiótica. Dessa forma, é possível ver a potência disparadora dos tipos móveis nos mais diversos contextos e em um amplo espectro.

Outro destaque que figura na ampliação da rede, em Belo Horizonte, é o surgimento, em 2018, do coletivo 62 Pontos, formado por um grupo de amigos que se uniram ao redor da paixão em comum pelo ofício da tipografia: Adriano Nascimento, Flávio Vignoli, Gabriel Nascimento, Luís Matuto, Olavo D’Aguiar, Ricardo Donato e Vitor Paiva. Trata-se de um grupo de pesquisa e produção em artes gráficas, com ênfase em tipografia com tipos móveis e gravura. O rico acervo do coletivo soma-se, no mesmo espaço físico, àquele da já existente Tipografia do Zé. Atualmente, o coletivo tem incorporado letras de madeira de gráficas de Buenos Aires, Argentina. Para dar vazão à sua intensa produção, foi inaugurada, ainda em 2018, a Papelaria Mercado Novo, para a comercialização de cadernos, cadernetas, blocos, cartazes, livros, álbuns etc., não só do 62 Pontos, mas também da Tipografia do Zé, Tipografia Matias e de outros parceiros. A Papelaria, assim como todo o movimento do “velho Mercado Novo”, acabou tornando-se um ponto de encontro, um lugar para lançamento de livros, saraus de poesia e eventos afins.

Entretanto, em relação às novidades da rede, nosso interesse se volta, no momento, para o acervo da Imprensa Oficial de Minas Gerais (IOMG). Após 125 anos de existência, a Imprensa Oficial de Minas Gerais foi extinta em 2016, pela Lei 22.285, que teve origem no PL 3.511/16. Em 2019, na gestão do governador Romeu Zema, foi impressa a última edição do Diário Oficial do Estado. Suas atividades são exercidas, desde então, pela Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais (SECCRI), que passa a editar e gerir as publicações para a versão eletrônica do Diário Oficial do Estado, além de assumir os contratos, convênios, direitos e obrigações.

As informações acima constam no site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e nos permitem entender a origem do que, em plena pandemia, estamos presenciando desde o dia 20 de outubro de 2020, qual seja, a doação a outros órgãos estatais ou o leilão de todo o patrimônio material da Imprensa Oficial, da sua sede, na Avenida Augusto de Lima (antiga Paraopeba), 270, Centro, e também do parque gráfico da Rua Juramento, 770, no Paraíso. Além do mobiliário, está deixando o prédio e o galpão a parte propriamente gráfica: impressoras rotativas, offset, digitais, além de diversos tipos de máquinas e instrumentos para encadernação e acabamento, e também o patrimônio que se encontra em um setor que muito nos chama a atenção: o Centro de Memória, criado em 2011, em comemoração aos 120 anos, com o lema “Uma história feita para durar”, ocupando o hall e duas salas laterais situadas bem à entrada com a parte considerada histórica do acervo: fotografias, máquinas de escrever antigas, miudezas em geral, uma pautadeira de madeira, uma impressora linotipo, uma icônica impressora tipográfica Heidelberg de leque, prelos tipográficos, gavetas de clichês e vinhetas, enfim, uma infinidade de coisas próprias a quem tem interesse em patrimônio e memória gráfica.

Essa situação despertou o interesse do Laboratório de Tipografia da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (TipoLab-ED-UEMG) – com aval da UEMG, que é a quem cabe, por lei, receber a doação – em propor a salvaguarda desse patrimônio da Imprensa, composto por bens tais como os listados acima, além de outros que se encontram em setores da Imprensa que não exatamente o Centro de Memória. O TipoLab é um espaço da Escola de Design associado ao Laboratório de Design Gráfico, tem como coordenadores os professores Cláudio Santos, Ricardo Portilho e Sérgio Antônio Silva e tem como uma frente de atuação o recebimento de acervos de tipografias para, num duplo movimento, colocá-los em exposição e, sempre que possível, em uso. Por fazer parte de uma escola de ensino superior de design, no TipoLab acontecem práticas de ensino, pesquisa e extensão, por meio de atividades voltadas à técnica da impressão com tipos móveis, à mesclagem dessa técnica com mídias digitais, à produção em xilogravura etc. Lá acontecem também eventos como seminários, mostras e oficinas, com o envolvimento de professores e alunos de graduação e pós-graduação, sejam eles monitores, estagiários, bolsistas de iniciação científica ou extensão, além de voluntários e adeptos em geral.

O acervo do TipoLab é bastante diversificado, contando com aquisições e doações de maquinário e equipamentos gráficos centenários, de estimável valor histórico, e que têm servido para a produção gráfica. Contudo, deparamo-nos, neste momento, com um acervo que, levando o nome e a materialidade da Imprensa Oficial de Minas Gerais, possui importância ímpar no cenário do patrimônio gráfico mineiro e, por extensão, nacional, tal como descrito no verso do painel de Fernando Pacheco, “Doce música mecânica”, de 2012, que faz parte do acervo: “Painel comemorativo aos 120 anos da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Homenagem a Murilo Rubião e a todos que, através da Imprensa Oficial, e do Suplemento Literário, contribuíram para o engrandecimento artístico e cultural de Minas Gerais e do Brasil.” Enfim, trata-se de um grandioso patrimônio artístico e cultural que está na iminência de tomar uma nova destinação, para que, ali, sua história possa continuar, ainda que como signo, rastro de um passado que não se pode simplesmente abandonar.

Evolução do Infográfico apresentando os mestres tipógrafos (em atividade e falecidos) em seus lugares de atuação e visão geral da rede tipográfica até 2022, incluindo a fase analítica e a propositiva

 

 

 

Sérgio Antônio Silva é Doutor em Letras: Estudos Literários pela UFMG. Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais – PPGD / UEMG, com disciplinas, orientações e pesquisas ligadas aos estudos da escrita, onde costuma situar, entre outros, o tema da tipografia.

Cláudio Santos Rodrigues é Mestre em Design, professor e pesquisador no grupo de pesquisa Educação, Audiovisual e Narrativas Transmídia da Universidade do Estado de Minas Gerais. Diretor de criação da Voltz Design, atuando principalmente nos seguintes temas: tipografia, redes sociais/educativas, design audiovisual, design de interação e museu expandido.

 

Notas & Referências

1. Pesquisa de mestrado realizada por Cláudio Santos Rodrigues, sob orientação de Sérgio Antônio Silva, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Design da UEMG, em 2015.

ANTUNES, Cristina. Frei José Mariano da Conceição Veloso. Catálogo da exposição, Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego. São Paulo, 2011.

ARAÚJO, Marta Maria. Uma história de precursores e ativistas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano XLIV, n. 1, jan.-jun. 2008.

BARATA, Alexandre Mansur; GOMES, Gisele Ambrósio. Imprensa, política e gênero: como o mentor das brasileiras tentou transformar as mulheres em interlocutoras nos debates que mobilizavam a sociedade brasileira oitocentista. Revista do Arquivo Público Mineiro , Belo Horizonte, ano XLIV, n. 1, jan.-jun. 2008.

CAIRO, Alberto. Infografia 2.0 visualización interactiva de información en prensa, Madrid: Alamut, 2008.

CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

LAGE, Paulo Rogério Ayres. Cerâmica Saramenha – A Primeira Manufatura de Minas Gerais. Belo Horizonte. Palco Editora. 2010.

MARTINHO, Cássio. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF Brasil, 2003.

_______________. Vida em rede: conexões relacionamentos e caminhos para uma nova sociedade. Barueri, São Paulo. Instituto C&A, 2011.

MOREIRA, Luciano da Silva. Combates tipográficos. Jornais, panfletos e opúsculos constituíram a pedra fundamental para o desenvolvimento dos espaços públicos de Minas Gerais no século XIX. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, Arquivo Público Mineiro, ano XLIV, nº 1, jan.-jun. 2008.

RODRIGUES, Cláudio Santos. Design aplicado às Tecnologias de Rede Colaborativa: Projeto para Difusão da Memória Coletiva da Tipografia em Minas Gerais. Dissertação de mestrado sob orientação de Sérgio Antônio Silva. Universidade do Estado de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Design, linha de pesquisa: Design, Cultura e Sociedade. 2015.

SILVA, Sérgio Antônio. Jequitinhonha com todas as letras. Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, 2006.

TECNOLOGIA SOCIAL DA MEMÓRIA. Para comunidades, movimentos sociais e instituições registrarem suas histórias. Fundação Banco do Brasil e Abravídeo. Execução técnica, Museu da Pessoa, 2009.

<www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2016/09/15_sancao_reforma_adm.html> Acesso em: 20 out. 2020.

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