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O MEI (microempreendedor individual) e a gestão cultural: o problema da formalização

Por Sheilla Piancó*
Editora: Solanda Steckelberg

DA NECESSIDADE DE SE FORMALIZAR

Sabe-se que a grande parte dos recursos aplicados no setor cultural são provenientes de renúncia fiscal através das leis de incentivo à cultura e, portanto, são recursos públicos. Essa premissa traz consigo uma responsabilidade maior quanto ao seu uso, exigindo mais zelo e maior rigidez em sua comprovação por parte do empreendedor.

Essa necessidade de demonstração fiscal das despesas realizadas pelo projeto e o endurecimento das comprovações referentes à prestação de contas gerou ao mercado cultural uma exigência maior no quesito profissionalização, principalmente no tocante às questões gerenciais e administrativas, que passam bem longe das questões criativas/artística.

Fato é que esse gestor de projetos, seja ele o artista/proponente ou um profissional contratado, precisa ter informações básicas sobre questões relativas à boa e fiel administração/ execução do projeto que permeiam diversas áreas, como o direito, economia, contabilidade, dentre outras, independentemente do segmento artístico do projeto.

Para tal, além do conhecimento prático e teórico sobre as áreas de atuação (música, teatro, patrimônio, etc.) e suas peculiaridades, é necessário que o gestor tenha conhecimento, informações atualizadas, habilidade e flexibilidade para auxiliar o artista em todo processo burocrático de construção do produto ou serviço cultural objeto do projeto, e assim obter os melhores resultados com o uso do dinheiro público, para a devida prestação de contas aos órgãos competentes).

Na contramão, observamos todos os dias na mídia casos de mau uso de verbas públicas através das leis de incentivo, muitas vezes por má fé, ou falta de informação quanto a legislação vigente e literaturas relacionadas. As leis e normativas que norteiam os incentivos fiscais para a cultura vivem em constantes mudanças, visando sempre dar mais transparência, acessibilidade e democratização aos mecanismos, mas nem sempre esclarecem de forma prática todas as nuances que envolvem a gestão/administração do projeto.

Por isso, a profissionalização e consequente formalização dos profissionais atuantes na gestão/administração de projetos na área da cultura, e a exigência da emissão de notas fiscais para a realização de suas funções, se tornou uma condição sine qua non para o sucesso na execução de projetos culturais de pequeno, médio e grande porte.

A MEI (Microempreendedor Individual) COMO OPÇÃO DE FORMALIZAÇÃO PARA O PRODUTOR CULTURAL

O Microempreendedor Individual foi uma política implementada para tirar milhões de profissionais que trabalham por conta própria da informalidade e com isso fomentar e fortalecer o empreendedorismo em diversas áreas, inclusive da cultura.

Como vantagens, destaca-se a agilidade e facilidade de abertura de um CNPJ, a possibilidade de emissão de notas fiscais até o valor de R$81 mil ao ano, a possibilidade de contratação de até um funcionário, simplicidade no processo de contabilização, além de vários benefícios previdenciários.

Para ser MEI o empreendedor cultural não pode ser sócio de outra empresa e precisa atuar em uma atividade específica prevista em lei.

É necessário que o empreendedor, mesmo dispensado de obrigações contábeis como escrituração dos livros, guarde toda documentação fiscal referente às compras de mercadorias, pagamento de serviços, contratação de empregado (pode ter um empregado com CTPS), e para tal exige-se a elaboração de um relatório mensal das receitas brutas, e emita anualmente a Declaração Anual do Simples Nacional (DASN – SIMEI).

Logo, a gestão de uma empresa é muito mais simples e ágil através do MEI, o que motiva e facilita o empreendedorismo, inclusive na área da cultura.

Porém, de outro lado temos o Ministério do Trabalho e Emprego que define o produtor cultural com: “Implementam projetos de produção de espetáculos artísticos e culturais (teatro, dança, ópera, exposições e outros), audiovisuais (cinema, vídeo, televisão, rádio e produção musical) e multimídia. Para tanto criam propostas, realizam a pré-produção e a finalização dos projetos, gerindo os recursos financeiros disponíveis para o mesmo”.

Embora não haja uma exigência em relação à formação, é exigido pelo mercado uma experiência prática, sendo necessários a verificação de habilidades como pesquisa, organização, supervisão e relacionamento para gerir a equipe e se apresentar perante patrocinadores e parceiros.

Assim, a profissão de produtor cultural foi reconhecida pelo Código Brasileiro de Ocupação (CBO) e ficou enquadrado na categoria de Produção Artística.

Segundo a legislação que criou e regulamentou as profissões de artistas e técnicos de diversões, são profissionais artísticos aqueles que, mesmo em caráter auxiliar, participa de atividades ligadas diretamente à elaboração, registro, apresentação ou conservação de programas, espetáculos e produções (Lei 6533/78 e Decreto 82385/78).

Ocorre que, segundo a legislação, podem se formalizar como MEI apenas aqueles que exercem atividades de comércio, indústria e serviços de natureza não intelectual sem regulamentação legal, o que impede um produtor ou técnico cultural de se formalizar através da figura do MEI.

Ante a necessidade de emissão de notas fiscais para as prestações de serviços e estando fora da possibilidade de ser MEI, o que resta ao profissional atuante na área da cultura é constituir uma empresa individual ou limitada, sozinho ou com sócios.

Em 2009, o benefício do Simples Nacional foi estendido para as atividades culturais (Lei Complementar nº 133), que ficou conhecido como Simples da Cultura. Em 2016, a Lei Complementar nº155/2016 mudou o enquadramento dos serviços de arquitetura, urbanismo e design e incluindo pequenos produtores de cervejas artesanais (e outras bebidas), além de outras alterações.

Com a opção do simples, a empresa recolherá impostos de forma unificada, com alíquota a partir de 4,5% e que incluem os seguintes impostos: IRPJ, INSS patronal, IPI, CSLL, PIS/PASEP, COFINS, ISS e ICMS, devendo sempre se atentar às necessidades de retenção de impostos, quando exigido pela legislação.

Assim, essa impossibilidade deixa evidente a falta de força e de vontade política para o desenvolvimento do setor da economia da cultura, pois possibilitar a atuação/formalização de técnicos, gestores e artistas através do MEI auxiliaria vários profissionais que atuam na área. Reverter esse grave equívoco que prejudica os profissionais fazedores de cultura é necessário, pois impedi-los de ser MEI é criar um grande obstáculo para o fomento à cultura.

Importante lembrar que essa mesma força e vontade política esteve presente em 2008/2009 quando o setor cultural se mobilizou e conseguiu a inclusão de atividades artísticas no rol do simples nacional, ou seja, na questão do MEI faltam articulação e ação!

*Sheilla Piancó
Mestre em Gestão Social, pós-graduada em Direito Tributário, graduada em Direito pela UFOP. Advogada e Gestora Cultural, Gestora de projetos da Vivas Cultura e Esporte; Professora, Assessora jurídica e administrativa do Observatório da Diversidade Cultural e professora do MBA dos cursos de Gestão de Eventos e Gestão de Empreendimentos Culturais  da PUC/MG.

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