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Música na Belo Horizonte da pandemia: casas cheias, palcos vazios

Editoria Nísio Teixeira

Poucos meses após festejar título de capital gastronômica pela Unesco, obtido em outubro de 2019, BH, a “capital dos bares”, mergulha no amargo paradoxo na pandemia da Covid-19: músicas enchendo as casas e salvando a alma, enquanto o palco da pessoa artista está vazio de corpos – e de recursos. Como descrito por especialistas de cultura urbana da Sounddiplomacy.com: “o público está consumindo arte, música e bens culturais a um ritmo acelerado, mas não está contribuindo financeiramente o suficiente para garantir que os artistas, músicos e [outros profissionais da economia] criativa, cujo trabalho estão consumindo possam atender às suas próprias necessidades básicas. Para a grande maioria, a arte deles não está pagando as contas, nem [mesmo] o segundo e às vezes o terceiro emprego que precisam ter, apenas para manter a sua capacidade de criar” (tradução nossa para o Manual de Resiliência Musical das Cidades, disponibilizado em #BetterMusicCities).

Para avaliar esse impacto na capital mineira, uma pesquisa foi realizada pelo Grupo de Pesquisa em Sonoridades, Comunicação, Textualidades e Sociabilidade (Escutas), do Departamento de Comunicação Social da UFMG (DCS-UFMG) através de um survey on line via Google Forms junto a 171 profissionais musicais (como cantores, compositores, instrumentistas, técnicos de som, DJs, produtores executivos, luthiers, entre outros) entre 10 de agosto e 06 de outubro de 2020. Os resultados da pesquisa serão publicados em breve em uma edição especial da Frontiers in Sociology – Social Convergence in Times of Spatial Distancing: The Role of Music During the COVID-19 Pandemic, volume que é dedicado a estudos do mundo inteiro que analisam os impactos da pandemia na música em vários aspectos1.

Os dados até aqui confirmam e dão uma dimensão desse impacto na economia da cultura do setor em Belo Horizonte no que tange à redução salarial, à reinvenção profissional – com destaque à adaptação ao universo on line, longe de monetizar financeiramente aqueles menos conhecidos do circuito midiático – ou seja, a grande maioria dos músicos. Também se verifica o papel crucial dos bares, restaurantes e eventos para a cadeia produtiva do setor, bem como o impacto em grupos socialmente mais vulneráveis.

Entre o universo total de respondentes da pesquisa, por exemplo, antes da pandemia, apenas 5,8% dos entrevistados diziam ganhar mensalmente o equivalente a um salário mínimo com a música (R$ 1.045,00). Com a pandemia, porém, o número aumentou significativamente: quase a metade dos entrevistados (43,9%) viu sua renda despencar a esse patamar de um salário mínimo mensal obtido com a atividade, impacto que atinge os músicos e dependentes diretos. Isso porque, do total geral dos 171 respondentes, 145 (84,8%) afirmaram que vivem da sua própria renda com música e destes, 77 disseram que possuem um ou mais dependentes dessa renda.

Só esse resultado já sugere como o setor em BH tornou-se mais “endemicamente precarizado” do que “temporariamente precarizado”: enquanto neste caso a interrupção é breve e se refere a um emprego mais formal, no qual inclusive alguma solução é encontrada no próprio ambiente musical, naquele anterior temos um cenário mais sério, sobretudo para uma classe em que há maior ocorrência da informalidade, em que as saídas dentro do setor existem, mas são mais desafiadoras, quando não empurram o agente para um cenário mesmo de “hiperprecarização”, na qual o abandono e/ou troca da função musical por outra não-musical (como dirigir carros de aplicativo ou vender pães, como constatado) ou mesmo ter que sair do local de construção da carreira, se torna mais evidente.

E aí convém lembrar como a precariedade também será distribuída de forma diferenciada com base no gênero e sexualidade, raça e etnia e geração e classe, variáveis que também foram consideradas pela pesquisa. Por exemplo, dentre os profissionais negros entrevistados – que representam 37,4% do total de respondentes da pesquisa – metade ficou tanto antes, como depois da pandemia, na faixa de um salário mínimo auferido mensalmente.

Outros dados importantes como o impacto das leis de incentivo nacionais – existentes ou recentes, como a Aldir Blanc, efetivada após a aplicação do questionário – e o desafio da barreira tecnológica do virtual (seja para dar aulas, produzir e monetizar lives, entre outros aspectos), também apurados no survey, serão considerados para uma segunda fase da pesquisa. A ideia é  voltar ao universo dos respondentes que, no survey, se dispuseram a participar de entrevistas de profundidade e/ou grupos focais.

Serão incluídos ainda outros destaques da pesquisa para a renda do setor musical em Belo Horizonte. A ação do setor na capital mineira, historicamente forjada pela tradição e modernidade, transita de modo muito forte entre o profano e o sagrado, indo dos bares às cerimônias religiosas, passando pelo célebre Carnaval na capital mineira. Afinal, o evento entra para a construção dessa cadeia na capital não só propriamente nas semanas festivas a ele dedicadas, como em todos os outros momentos preparativos construídos ao longo do ano e que, igualmente, foram severamente interrompidos e atingidos pela pandemia.

Referências

1. Ver https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fsoc.2021.643344/abstract. Acesso em 24 de maio de 2021.

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