Por Fabíola Farias
Editoria Luciana Salles
Aprecio bastante a ideia do filósofo alemão Theodor Adorno de que a educação serve para que Auschwitz não se repita. Perguntar para que serve a educação parece algo desprovido de sentido, uma vez que educar, especialmente no aspecto formal do termo, é um valor consolidado no tempo em que vivemos – falamos sobre educação, discutimos a qualidade da escola, denunciamos decisões do poder público que nos parecem equivocadas e, principalmente, defendemos o direito de educação para todos.
Mas a educação a que se referia Adorno, considerado por muitos, especialmente pelos que não o leram, um filósofo elitista e ultrapassado, se referia a um processo de formação, que criasse as condições para que compreendêssemos o tempo, o espaço e as relações que estabelecemos com outras pessoas e grupos, pelo acesso e apropriação de bens culturais. Por isso, o filósofo entendia o processo educativo, sempre inacabado e em marcha, como a exigência de que o horror dos campos de concentração não pudesse se repetir. Conscientes e atentas às maneiras como as relações sociais e de interesse se estabelecem, as pessoas estariam mais preparadas para rejeitar a barbárie e as injustiças. Ainda, seriam mais críticas frente às informações que circulam, muitas vezes fazendo malabarismos para validar os interesses de um grupo.
Parece-me que as ideias adornianas são bastante atuais e pertinentes para refletir sobre o que vivemos no Brasil e no mundo hoje. Até mesmo Auschwitz, que nos parecia algo distante, anda rondando as nossas vidas. Para além da referência concreta ao nazismo, há outros horrores que povoam o nosso cotidiano e que invadem, sorrateiramente, a nossa vida pública e privada. Refiro-me ao obscurantismo, muitas vezes vendido como liberdade de expressão e autenticidade, que valida visões de mundo racistas, machistas, homofóbicas e de manutenção de privilégios econômicos – porque ao fim e ao cabo, lá estão os interesses econômicos.
E o que tem tudo isso a ver com os livros que oferecemos às crianças? Mais que histórias bonitas e divertidas para passar o tempo com e dos pequenos, os livros (texto, ilustrações, formatos) são feitos de ideias. Assim, oferecemos, com os livros, aberturas distintas para compreender o mundo, que é grande, diverso e complexo. Podemos oferecer narrativas que estabelecem verdades prontas e fechadas ou um repertório que contemple os conflitos, os desejos, os medos, as alegrias e os sonhos humanos. A oferta da língua que narra, canta, orienta, comunica, ordena e subverte, por exemplo, já é promessa de alguma liberdade. Entender e se apropriar da língua, a falada e a escrita, ampliam os horizontes para o pensamento. Em contato com os livros e a leitura, desde muito pequenas as crianças começam a participar da cultura escrita. E começar cedo aqui não quer dizer sair na frente para competir, mas contar com mais horizonte para denunciar a barbárie e pensar a justiça autonomamente. Para evitar que não dependamos de outros que nos apontem o rei nu e que Auschwitz e outros horrores não se repitam.