Editoria Liana Portilho
Por Liana Portilho e Marina Araújo Teixeira
O que define se uma manifestação cultural é passível de proteção enquanto bem componente do acervo apto à proteção jurídico-estatal?
Em 30 de novembro de 1937, era editado no Brasil aquele que, ainda hoje, cumpre o papel de principal repositório normativo sobre a proteção do patrimônio cultural nacional – o Decreto-lei nº 25. Inestimáveis para o processo de construção do diploma normativo foram as contribuições do Movimento Modernista inaugurado em 1922, em especial do escritor modernista Mário de Andrade.
O poeta, após viagens etnográficas realizadas ao Norte e ao Nordeste do país entre 1927 e 1929, canalizou suas experiências como turista aprendiz para a elaboração de um anteprojeto de lei de criação do Serviço Nacional de Patrimônio – SPHAN, o qual acendeu luzes sobre a importância dos bens culturais imateriais, inspirado pela riqueza das manifestações musicais e das danças dramáticas vistas como herança intergeracional pelas comunidades do Brasil profundo. Mário transita da moderna São Paulo, com seu desvairismo metropolitano, a uma vez arlequinal e invernal, para a miscelânea folclórica de Macunaíma, fazendo ouvir as múltiplas vozes da cultura brasileira, com seus mitos, lendas, contos populares e linguajar próprio.
As reverberações das ideias colocadas em seu anteprojeto seriam recepcionadas, como vanguardistas, na composição do artigo 216 da Constituição Federal de 1988, ampliando o sentido e o significado do conceito jurídico de patrimônio decorrente da influência da coisa literária modernista. Nesse movimento, manifestações destituídas de materialidade, mas repletas de relevância para grupos minoritários e a consolidação da história de nosso povo, cumpridoras, portanto, de uma importantíssima função social que induz ao sentimento de pertença, são reconhecidas como patrimônio cultural.
Assim, acolhe-se o outro e a brasilidade como paradigmas de seleção dos bens culturais a serem especialmente conservados em detrimento de uma base valorativa unívoca. Com isso, ao mesmo tempo em que se alcança um elo entre os bens selecionados para proteção pela autoridade estatal e aqueles de fato representativos de dadas comunidades e subjetividades, tem-se, paradoxalmente, afirmado o vazio inerente à almejada noção de uma “identidade” brasileira, um dos ideários modernistas. Percebe-se que essa identidade é muito menos idêntica e indefinível que se supunha. O seu espaço aberto, vazio, por sua densidade rica e cambiante mutabilidade, talvez seja o maior triunfo do Movimento Modernista. E nisso também reside o maior desafio para a proteção do Patrimônio Cultural: “procurar e reconhecer quem e o que”, no meio da cultura, é cultura, “e preservá-lo, e abrir espaço”, como dizia Italo Calvino, em suas cidades invisíveis.
Pampulha-en-abyme
Liana Portilho
um bem cultural material declarado patrimônio cultural por tombamento municipal, estadual, federal, declarado patrimônio da humanidade por declaração internacional, mutilado por uma expressão individual cultural, imaterial, declarada tipo penal na esfera criminal, mas que ainda assim não deixa de ser uma expressão cultural, ainda que não seja patrimônio cultural, que não reconhece o patrimônio cultural, que não reconhece como bem cultural um patrimônio cultural, e que não se reconhece como marginal, mas também não quer ser mainstream, porque é da sua essência a transgressão, então é marginal, mas não é marginal porque não quer ser tipo criminal, mas é marginal porque só entra na margem mediante autorização, sem autorização da autoridade é mais marginal, e se não é marginal é grafite, se é grafite não é mais picho, se não é mais picho não é manifestação cultural, e se não é manifestação cultural não é um bem cultural material declarado patrimônio cultural por tombamento municipal, estadual, federal, declarado patrimônio da humanidade por declaração internacional, mutilado por uma expressão individual cultural, imaterial, declarada tipo penal na esfera criminal, mas que ainda assim não deixa de ser uma expressão cultural, ainda que não seja patrimônio cultural, que não reconhece o patrimônio cultural, que não reconhece como bem cultural um patrimônio cultural, e que não se reconhece como marginal, mas também não quer ser mainstream, porque é da sua essência a transgressão, então é marginal, mas não é marginal porque não quer ser tipo criminal, mas é marginal porque só entra na margem mediante autorização, sem autorização da autoridade é mais marginal, e se não é marginal é grafite, se é grafite não é mais picho, se não é mais picho não é manifestação cultural, e se não é manifestação cultural não é um bem cultural material declarado patrimônio cultural por tombamento municipal, estadual, federal, declarado patrimônio da humanidade por declaração internacional, mutilado por uma expressão individual cultural, imaterial, declarada tipo penal na esfera criminal, mas que ainda assim não deixa de ser uma expressão cultural, ainda que não seja patrimônio cultural, que não reconhece o patrimônio cultural, que não reconhece como bem cultural um patrimônio cultural, e que não se reconhece como marginal, mas também não quer ser mainstream, porque é da sua essência a transgressão, então é marginal, mas não é marginal porque não quer ser tipo criminal, mas é marginal porque só entra na margem mediante autorização, sem autorização da autoridade é mais marginal, e se não é marginal é grafite, se é grafite não é mais picho, se não é mais picho não é manifestação cultural, e se não é manifestação cultural não é …………………………………………
Liana Portilho é doutora em Direito pela UFMG. Entre outros livros, escreveu “Patrimônio Cultural e o Movimento Modernista”, publicado pela Editora Letramento, em 2019.
Marina Araújo Teixeira é mestre em Direito pela UnB, onde dedicou-se aos estudos da violência da linguagem jurídica, tendo por pressuposto a Filosofia da Alteridade.