Por José Alberto Nemer
Os funcionários encarregados da ronda noturna da Rede Ferroviária, em Belo Horizonte, costumavam jantar no serviço. Entretanto, a turma da manhã, vinha filar a boia servida aos colegas da noite. Foi necessário colocar um aviso: “SRs. RONDANTES, NÃO TERÃO DIREITO Á JANTA AQUELES QUE CHEGAREM Á NOITE P/ ENTRAR EM SERVIÇO NO DIA SEGUINTE.” (sic).
A CASA CABANA, que “NÃO VENDE SÓ CHAPÉUS, VENDE TAMBÉM BOTAS”, chamava-se, originalmente, Casa Cubana. Para evitar o estigma provocado pelas garras do golpe militar de 1964, o dono foi instado a mudar o nome de seu negócio. Mas guardou a sonoridade.
A cidade de Cordisburgo, além do diamante Guimarães Rosa, produz também muito cristal. As ferramentas dos garimpeiros, à força de baterem nas rochas, acabam por entortar. Torna-se necessário voltar à forja para endireitar o instrumento. Como o dinheiro é curto, o ferreiro do lugar resolveu avisar: “NÃO BETEMOS PICARETA FIADO… SE INSISTIR, LEVE GRATIS UM SONORO ‘NÃO’!” (sic).
Um sapateiro, acometido por um surto de dúvida metódica, resolveu afixar: “SAPATARIA: AQUI NÃO FAZEMO SAPATO SÓ CONCERTAMO AS VEIS FAZ.” (sic).
A “CASA DOS CICLISTAS”, tradicional ponto de “CONSERTOS DE BICICLETAS” próximo à igreja da Boa Viagem, em Belo Horizonte, ostentou por 71 anos o anúncio de seus serviços. Nela trabalhava sozinho Seu Armênio, ciclista campeão de torneios realizados na Praça Raul Soares na década de 1940. Com a morte de seu proprietário em 2017, aos 94 anos, a oficina selou seu fim, mas o nome escrito está aí para contar a história.
Estas e outras oitenta placas estão agora reunidas no Café com Letras da rua Antônio de Albuquerque, na Savassi. Elas são parte do monumental acervo do Museu do Cotidiano, de Antônio Carlos Figueiredo, que faz também a curadoria. O título da exposição – “Implacáveis / do Natal ao Carnaval” -, já sugere o espírito inquieto do colecionador/curador e do conjunto ali reunido. Implacável é algo impossível de aplacar, de acalmar, de mitigar; algo inflexível, inexorável. Não é por mero acaso que um cartaz de sua própria lavra adverte: “Dispensamos: Soberba e Narizismos…”
Essa aparente rigidez sugere e estimula uma leitura que vai além das placas, ou seja, um mergulho nas histórias que elas encerram. Não se vê uma exposição dessas com ceticismo. Na enorme variedade de formas, cores, materiais, imagens, mensagens, encontra-se um repasto de elementos semânticos, altamente instigantes para quem se dispõe a ultrapassar o olhar passivo daquilo que vê. Há humor, história, sociologia, meandros de infinitas trajetórias culturais que as placas testemunham. Figueiredo costuma dizer que os objetos que coleciona não são decorativos, mas decolativos, propondo ao espectador uma decolagem em direção a um vôo, lúdico e certeiro.
- A exposição “Implacáveis” foi concebida por Antônio Carlos Figueiredo, responsável pelo Museu do Cotidiano, e já esteve em cartaz no Café com Letras Liberdade e Café com Letras Savassi.